Os resultados das contas do setor público em 2005, anunciados pelo Banco Central (BC), sugerem que a política fiscal está no rumo certo, levará à redução da dívida pública e ao equilíbrio das contas do governo e, assim, cria as bases para o crescimento sustentado da economia. Mas são enganosos.
Os números impressionam. O superávit primário (que não contabiliza os juros pagos pelo setor público) equivalente a 4,84% do PIB é, como observou o BC, o mais alto desde 1994 e seu valor, de R$ 93,5 bilhões, é o maior desde 1991, quando esse resultado começou a ser apurado. Esses números escondem, porém, uma política fiscal de má qualidade, crescentemente onerosa para a sociedade e insustentável no longo prazo.
"O Brasil precisa dar um choque de eficiência no governo e reduzir urgentemente os gastos públicos, que estão numa tendência explosiva, engolindo o País, quase um processo da família do câncer", advertiu o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em entrevista que concedeu em Davos e que o Estado publicou na edição de domingo.
Quando comparada com os resultados anunciados pelo BC, a avaliação parece exageradamente pessimista. Mas um exame da evolução recente dos gastos públicos mostrará que ela é correta. O governo gasta cada vez mais, mas a qualidade dos gastos decai de maneira contínua e o custo que o contribuinte, a sociedade e a economia têm de suportar é duplamente pernicioso: pagam-se mais impostos em troca de serviços cada vez piores.
Desde a década de 90, como mostrou na segunda-feira o colunista do Estado Ribamar Oliveira, as despesas primárias da União crescem mais depressa do que a economia. Em 1997, essas despesas correspondiam a 15,1% do PIB. No ano passado, chegaram a 18,2% e, em 2006, podem alcançar 18,9%.
Para cobrir os gastos crescentes, o governo vem elevando brutalmente a carga tributária. Em 1997, o total de tributos arrecadados pela União, Estados e municípios correspondia a 29% do PIB. No ano passado, deve ter alcançado 37,5% do PIB. Isso significa que, nesse período, a cada ano, a sociedade foi obrigada a transferir para os cofres públicos o equivalente a 1% do PIB mais do que transferira no ano anterior. Em valores, hoje os governos retiram da economia R$ 165 bilhões mais do que retiravam em 1997.
Tal aumento seria tolerável se, pelo menos, esse dinheiro colocado sob o controle do setor público tivesse resultado em benefícios para a economia e para a sociedade, com a melhora e a expansão dos serviços públicos e a recuperação da infra-estrutura essencial para o crescimento econômico. Mas nada disso aconteceu. O crescimento das despesas correntes, além de exigir o aumento insuportável da carga tributária, comprimiu os investimentos. O resultado é a iminência de um "apagão logístico", que pode ter custos elevados para o País.
O crescimento muito rápido das despesas correntes do governo, bem como a extraordinária expansão do crédito ocorrida no ano passado, sobretudo em decorrência do crédito consignado, exigem uma política monetária mais rigorosa, ou seja, impedem a queda mais rápida dos juros - da Selic, melhor dizendo, porque os outros juros continuam aumentando - e, assim, geram novos obstáculos ao crescimento, como observou o ex-presidente do BC.
O regime fiscal é ruim, pois alimenta despesas que não resultam em benefícios para a sociedade e a economia, e exige um sistema tributário voltado exclusivamente para o aumento da arrecadação, e não, como deveria ser, para estimular o crescimento, a modernização e a integração do Brasil à economia globalizada. O atual governo teve oportunidade de mudá-lo, mas os vínculos de seu partido, o PT, com o funcionalismo tornaram inviável a reforma, pois esta envolverá necessariamente a redução da folha de pagamento da União.
O Brasil pode crescer 5% ao ano, acredita o ex-presidente do BC. Mas, para isso, precisa com urgência atacar problemas como o dos gastos públicos ruins e excessivos. "No início do próximo governo, é crucial que esse problema seja atacado rapidamente", recomenda.