Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 29, 2006

MAILSON DA NÓBREGA: Banco del Sur

OESP

MAILSON DA NÓBREGA: Banco del Sur

Mailson da Nóbrega

Banco del Sur seria o nome predominante do novo banco regional proposto por Lula, Kirchner e Chávez em 19/1/2006, conforme declaração conjunta emitida pelo trio no mesmo dia.

Trata-se de projeto de escassa justificativa (se é que existe alguma) parido pela mente confusa de Chávez com apoio da diplomacia terceiro-mundista dos dois maiores países da região. Não se duvide da concretização da idéia, mas sejamos céticos quanto à sua validade. Creia-se, se assim for, na sua pouca utilidade e no desperdício de nossos parcos recursos.

A inspiração da idéia dá para desconfiar. Chávez, o pai da proposta, recorreu ao seu conhecido antiamericanismo para anunciar que a nova instituição nos libertará da influência exercida pelos Estados Unidos nas organizações financeiras multilaterais. Referia-se ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). "É a independência que queremos ", arrotou.

Parte das reservas internacionais dos países da região seria depositada no novo banco. O chanceler brasileiro se entusiasmou. "O número e a importância dos projetos em infra-estrutura que estão sendo realizados fazem com que seja indispensável uma entidade financeira para toda a América do Sul."

O problema é que o banco de desenvolvimento da América do Sul já existe. É o BID. O fato de atender também o México e países da América Central e do Caribe não lhe retira tal condição.

O BID está completando 47 anos. Foi fundado por 19 países da América Latina e pelos EUA. Hoje, todos os países das Américas são seus membros.

Dele também participam países da Europa, Israel, Japão e Coréia do Sul. Estes, assim como os Estados Unidos e o Canadá, são doadores de recursos. Os empréstimos vão apenas para países latino-americanos e caribenhos.

Os recursos do BID não vêm de depósito de reservas, pois isso seria um disparate financeiro para uma instituição que faz empréstimos de longo prazo.

Seria também uma temeridade para os depositantes, pois as reservas, como o nome indica, servem para pronta utilização em situações adversas. As fontes de recursos, como se vê do endereço do BID na Internet (www.iadb.org), são os países membros, os empréstimos nos mercados financeiros e os fundos fiduciários que administra, bem como os projetos de co-financiamento.

O capital ordinário do BID é de US$ 101 bilhões, dos quais US$ 5,3 bilhões estão integralizados.

A América Latina detém 50,02% (Brasil, 10,8%). Os demais sócios controlam os restantes 49,98% (EUA, 30%; Canadá, 4%).

A principal fonte de recursos do banco são os mercados internacionais de capitais, nos quais coloca anualmente títulos no valor total de US$ 8 a US$ 10 bilhões.

A classificação de risco do BID é AAA, a mais alta de todas. É a mesma dos títulos do Tesouro americano.

Por isso, o banco consegue levantar recursos a juros mais baixos do que obteriam individualmente os países latino-americanos.

Essa invejável situação deriva essencialmente, a meu ver, de três fatores: (1) ao status de credor preferencial que os países membros dão aos seus empréstimos; (2) à gestão profissional de suas atividades; (3) à participação dos Estados Unidos de outros países desenvolvidos no seu capital.

Em seu quase meio século de existência, o BID se tornou uma experiência vitoriosa. Outras organizações regionais similares – a Corporação Andina de Fomento e o Fundo da Bacia do Prata – não passam de pálidas imitações, sem o brilho do BID.

Ao contrário do que faz crer o nosso chanceler, não há escassez de recursos para financiar bons projetos de investimento em países com gestão macroeconômica responsável e razoável potencial de crescimento.

Na infra-estrutura, esses projetos são cada vez mais realizados pelo setor privado, na esteira dos programas de privatização, de concessão de obras públicas e de parcerias público-privada (PPPs). Os investimentos podem ser facilmente financiados pelos mercados internacionais de capitais e pela subsidiária do BID, a Corporação Interamericana de Desenvolvimento.

Ao que se comenta, a idéia do Banco do Sul será examinada em próxima reunião do trio (os três hermanos, como os alcunhou o Estado), com a presença dos ministros da Fazenda. Espera-se que o grau de racionalidade se eleve e que a proposta receba o destino que merece, ou seja, o arquivo onde jazem idéias sem futuro da burocracia latino-americana.


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