Por Reinaldo Azevedo |
Ou o jornalismo, especialmente o de TV, admite a responsabilidade que tem na formação da opinião pública, ou ajuda a reeleger Lula. Até aí, vá lá... Todo mundo tem o direito de ter suas preferências. Eu tenho as minhas. Meu candidato é Serra. Não sendo ele, alguém que possa vencer Lula desde que não seja pior do que ele (se isso é possível). Sacaram a diferença? Se você avisa o leitor/espectador/eleitor, faz ao menos um jogo honesto, ainda que ele ache desagradável. O problema está em coonestar, por mera gravidade, uma ilegalidade que está sendo cometida por Lula com dinheiro público. Ademais, em Primeira Leitura, sempre está muito claro o que é opinião e o que informação apenas. Sim, é possível opinar fazendo de conta que só se está informando. E eu noto a imprensa, até agora, sem defesa para responder ao truque petista — se é que ele quer essa defesa. E percebo também uma oposição que está pisando nos astros distraída ou se candidatando a ser pisada pela estrela. De que ilegalidade eu falo? Lula faz campanha eleitoral todos os dias no Jornal Nacional. Cito este, e não outros telejornais, porque, convenhamos, é o único que conta. O que fazer, caro Ali Kamel, como diria o camarada Lênin? Não, não estou sugerindo qualquer forma de autocensura. Que Lula fale pelos olhos, nariz, boca, narinas e orelha. Mas é preciso, quero crer, que a emissora, em benefício dos telespectadores, da verdade e da boa política, considere que a campanha já começou: Lula é hoje candidato, fala como candidato e produz notícias de candidato. E, como tal, ou bem se faz uma cobertura ao menos equilibrada segundo os dados das pesquisas (à falta de outro critério) ou bem se escoima das aparições do Apedeuta o que é campanha. Quase nada iria ao ar. O PT é administrativamente incompetente, ideologicamente parlapatão, clepto-stalinista, cafona, falastrão... Mas sabe fazer política miúda como poucos. E, nesse particular, costuma dar nó nas oposições e na imprensa. As TVs estão trabalhando de graça para o partido. Algumas, sabemos, que não têm público, mas têm verba pública, nem tão de graça assim. No caso da Globo, não se trata de alinhamento ideológico, embora ele também exista, de certo modo, já que as redações, quase todas, são filopetistas. Duvido que seja diferente no Jornal Nacional. Atenção: não estou aqui exercitando teoria conspiratória nenhuma. E também não saio denunciando teorias conspiratórias para esconder conspirações. Estou me referindo a um problema objetivo. Lula está, todos os dias, nas TVs fazendo campanha eleitoral fora de hora com dinheiro público. Os editores-chefes dos telejornais e os diretores das emissoras são livres – são ou não? – para lhe fazer ou não as vontades. Se fazem, pode ser por uma de três coisas ou pela combinação de duas delas: a) não acham que seja campanha; b) acham justo que ele faça campanha (embora seja ilegal e, nesse caso, se contaminam com a ilegalidade); c) o governo paga bem para que façam campanha. Ora, existindo reeleição (sou contra ela desde que foi aprovada), é claro que a inauguração de “obras” do governo, nem que seja plantar mudas de urtiga, serve à ambição do governante que postula um segundo mandato. Sendo esses o ambiente e o marco regulador, Lula poderia se comportar com discrição, evitando o verborragia eleitoreira. Ficaria da dependência de sua moralidade pessoal agir assim. Bem, para que lidar com caso perdido? O cara viaja com o nosso dinheiro, faz “obra” com o nosso dinheiro, come (e bebe...) com o nosso dinheiro, tem até uma aposentadoria especial injusta com o nosso dinheiro. Precisa até fazer campanha ilegal com o nosso dinheiro! Mas faz. Já não bastam aqueles que roubaram o nosso dinheiro? A cada vez que o petista aparece na TV dizendo que não sabe se é candidato — e o normal a um jornalista é dizer: “O presidente falou, é noticia” —, está, de fato, reafirmando a sua candidatura e antecipando a disputa. Com a diferença de que fala sozinho. Há dias, no Rio, afirmou que, se tapa buraco em estrada, dizem que faz campanha para si; se não tapa, então faz campanha para a oposição. Entre uma coisa e outra, ele tripudiou, preferia fazer campanha “para nós” (ele e os paus-mandados que estavam lá, mobilizados com dinheiro público). A fala, por si mesma, é de tal sorte absurda, que a informação, crua, deveria pesar contra ele. Mas o país em que isso bastasse seria outro. Falando aquela barbaridade, o homem ganha pontos, quando o racional seria perder. Tome-se como exemplo a entrevista do Apedeuta a Pedro Bial, no Fantástico, no fim do ano passado. O jornalista foi impecável. Raramente assisti a algo tão desmoralizante para um líder político. Mas isso é para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. A exposição acabou contando favoravelmente ao entrevistado, aposto. Quem conhece os temas abordados por Bial concluiu: “Lula se ferrou”. Não! Ele acabou se dando bem. Afinal, estava na cadeira em que foi mantido pelas oposições. Fazendo a apologia do óleo de peroba, dizia: “Não há provas”. No subtexto, a mensagem: “Se houvesse provas, eu não estaria aqui”. Esse manifesto surrealista foi redigido pelas oposições, sim, senhores: há provas. E, no entanto, ele está lá. O pedido do processo por crime de responsabilidade deveria ter sido encaminhado no dia em que Duda Mendonça confessou que recebeu dinheiro ilegal pela campanha presidencial. O que fazer? Mas volto ao ponto: o que fazer? A resposta é aborrecidamente simples. Lula inaugura até mata-burro em Cabrobó do Mato Dentro. A obra deve beneficiar, no máximo, 200 pessoas. Mas lá estão as câmeras de TV para ouvir as suas pérolas políticas e o seu pensamento profundo. Ligou a câmera, e o homem desanda a falar bem de si mesmo e mal das oposições. Ora, qualquer posto de saúde, hospital ou centro comunitário inaugurados pelo prefeito José Serra ou pelo governador Geraldo Alckmin atendem aos interesses de um número maior de pessoas. Ou as obras de Lula não são eleitoreiras, e o que conta é o seu interesse social — e, no caso, o número de beneficiados determina se ele aparece ou não na TV, dada a importância do fato — ou todo mundo aparece, e reequilibra-se o jogo. Sem isso, a Globo nem vira sucursal da Radiobras, mas do PT. Eu optaria por botar Lula na TV quando a sua fala dissesse respeito a medidas que, com efeito, têm alcance nacional e quando estivesse estritamente ligada à sua função. Ou, desde já, passaria a cuidar do devido equilíbrio no noticiário. O que não pode é o dinheiro público financiar um latifúndio de propaganda oficial, multiplicada, depois, pelo jornalismo, que faz a campanha eleitoral de Lula, regada a ilegalidades. Oposições Se o candidato do PSDB à Presidência for o governador Geraldo Alckmin, é certo que começará a corrida bem atrás de Lula no primeiro turno e que perderia em simulações de segundo turno. Isso hoje. Com a campanha, seria preciso pagar para ver. Se for Serra, primeiro e segundo turno teriam agora um resultado incerto. O tucano parecia imbatível há um mês: erros grosseiros do PSDB mais os fatores que beneficiaram o PT jogam a coisa para um virtual empate, quero crer. Mesmo que o escolhido venha a ser o prefeito, ele tenderá a largar atrás de Lula nos dois turnos. O PSDB terá de ter muito sangue frio. Assim será por causa dos fatores listados acima. Assim será, também, porque, quando se criou a onda Serra, o tucanato, em vez de nela surfar, resolveu brincar de ter muitos candidatos para não ter nenhum, magnificando, inclusive, aquela tolice dos riscos de Serra deixar a Prefeitura porque prometeu a um jornalista que não o faria. Engana-se quem acha que vem uma campanha soft pela frente. Engana-se quem acha que bastará opor a Lula um discurso administrativamente arrumado, falando apenas de futuros sorridentes e de um país de reformas estruturais, que, então, decolaria. Será uma campanha sangrenta. O PT não aceita perder o jogo. Vai partir para a cotovelada. Quem não acreditar que circule um pouco por Brasília. Existe gente preparando dossiê até em sorveteria. É claro que dá para ganhar de Lula. Com unidade e discurso afinado. Lula só cresceu porque faz campanha eleitoral sozinho, com a ajuda das TVs. Tão logo comece a apanhar da oposição, a tendência é cair. Mas terá de apanhar muito. E terá de estar algo na defensiva, com um candidato que esteja empatado com ele ou, ao menos, nos seus calcanhares. Ou pode partir para botar a mão na faixa, agora bem pesada, com seus ouros e brocados. [reinaldo@primeiraleitura.com.br] |
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, janeiro 29, 2006
Lula, as oposições e o Jornal Nacional
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