DORA KRAMER: O dilema dos cardeais
E-mail: dkramer@estadao.com.br
O suspense será mantido até a reta final: só depois da segunda semana de março, dias antes do anúncio oficial ao público, o colégio de cardeais do PSDB - Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves e Tasso Jereissati - dirá a José Serra ou a Geraldo Alckmin qual dos dois terá a legenda do partido para concorrer à Presidência da República.
Daqui até lá serão feitas pesquisas periódicas - a primeira está em fase inicial -, produzidos eventos em que ambos aparecerão juntos para firmar a imagem de unidade e conter a exposição de divergências internas.
Haverá consultas a governadores, deputados, senadores, diretórios regionais e muitos (o maior número possível) encontros públicos daqueles três personagens principais, a fim de consolidar a liderança do comando no processo. A unidade, dizem, não pode ser de fachada.
O preterido no PSDB será tratado com honras de Estado: se for Alckmin, poderá escolher disputar o Senado, comandar a campanha presidencial em São Paulo, escolher - sem contestação - o candidato tucano ao Palácio dos Bandeirantes e, no caso de vitória do preferido, ocupar um ministério importante, se não quiser concorrer ao mandato parlamentar.
Se o eliminado for Serra, também receberá do partido todas as homenagens, além da prerrogativa de anunciar o nome do escolhido como se o fizesse por vontade própria de ceder o lugar e, além disso, escolherá seu destino.
Imagina-se que opte por ficar na Prefeitura, pois, na interpretação do cardinalato, só deixará de ser o escolhido se houver rejeição explícita, e substancialmente numerosa, do eleitorado paulista à sua saída da Prefeitura. Sendo assim, não pagaria o preço da renúncia para concorrer ao governo do Estado como se cogita aqui e ali.
A definição não ficará para a última hora só por uma questão de estratégia. É necessidade mesmo.
O alto comando do PSDB hoje vive um dilema real: reconhece em Serra um candidato "pronto" para uma disputa dessa magnitude, mas se impressiona com a excelente avaliação de Alckmin entre os eleitores que o conhecem; isso em São Paulo e outros Estados.
Os prós e contras de um e de outro, entretanto, alimentam hesitações. Geraldo Alckmin, avalia-se, poderia vir a se transformar na coqueluche eleitoral da temporada: tem reconhecimento de sua base, boa figura, apoio em setores importantes, potencial de crescimento, mas, objetivamente, se trata de uma aposta.
José Serra conta com altos índices nas pesquisas, movimenta-se bem tanto em campo minado quanto em terreno favorável e dispõe de reconhecido preparo profissional para a empreitada.
Mas não se sabe se não teria batido "no teto" de expansão de preferência popular e, aqui reside o nó, um dia teve a infeliz idéia de declarar ao jornalista Bóris Casoy que, se ganhasse a Prefeitura, nunca, jamais, em tempo algum, deixaria o cargo para concorrer a outro.
A entrevista foi revista dia desses pela nomenclatura tucana, que decidiu dividir a avaliação da extensão do desastre - ou se aos olhos de hoje isso configura mesmo um grande prejuízo.
A fita será exibida para grupos de pesquisas qualitativas para medir o efeito da eventual renúncia.
Nas pesquisas, qualitativas e quantitativas, os tucanos procurarão saber qual o potencial de crescimento de Serra e Alckmin, buscando também detectar as vulnerabilidades de Lula, as razões de seu sucesso entre os mais pobres e mal informados e os caminhos para também atingir o coração desse eleitorado. Serão quatro rodadas até março.
Além de balizar a campanha, essas pesquisas servirão como instrumento de, digamos, convencimento, para o excluído do páreo tucano sentir que não está sendo preterido por razões subjetivas e sim por motivos objetivos.
Um fator essencial na escolha será a capacidade de o candidato manter a polarização com o PT desde a largada e até o fim da campanha. O PSDB não quer perder para uma acidental "terceira via" a condição de alternativa que conseguiu firmar nesses três anos de oposição.
Para os tucanos é importante, por exemplo, que no dia 19 de março o PMDB escolha Germano Rigotto, ou outro que não Anthony Garotinho, em suas prévias. É que o ex-governador do Rio de Janeiro representaria um risco, pois tem índices nada desprezíveis nas pesquisas.
Mas, se por acaso o escolhido for Garotinho, isso desfavorece Alckmin, pois nas preferências ele aparece próximo dos pemedebistas, enquanto Serra está muito adiante.
A hipótese de ocorrer uma dissidência e, conseqüentemente, uma disputa na convenção do PSDB já foi analisada, e descartada pela cúpula. Com o seguinte dado: o rebelde perderia, pois Fernando Henrique, Tasso e Aécio, jogariam em favor do candidato oficial.
Em matéria de preferências pessoais, neste grupo decisivo, FH tenderia a preferir Serra, Tasso a ficar com Alckmin e Aécio funciona como um ponto de equilíbrio no qual tem enorme peso o fato de governar Minas Gerais.
O trio não decidirá sozinho, mas sem dúvida representará o eixo do projeto de retomada do poder perdido em 2002.