(B)RICS
PARIS. O Fórum Econômico Mundial tirou uma letra da sigla mais famosa dos últimos anos nas consultorias econômicas. Um estudo da Goldman Sachs feito no final de 2003 criou a sigla Brics, as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, os países que provavelmente estarão no topo da economia mundial nos próximos 50 anos. Em inglês, fazia um trocadilho com “brick” (tijolo), imaginando a construção de um novo quadro econômico internacional. Na reunião que terminou domingo em Davos, apenas os Rics tiveram atenção especial dos analistas, ficando o Brasil de fora das expectativas. Um outro trocadilho em inglês pode ser feito, com a palavra “rich” (rico), para falar das novas potências emergentes, das quais nos afastamos, pelo menos temporariamente.
Segundo o estudo, em menos de 40 anos os Brics juntos poderão ser maiores que os países que formam hoje o G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália). Desses, apenas Estados Unidos e Japão estariam no G-6 em 2050. Pelo estudo, o Brasil seria a quinta economia do mundo, medida pelo Produto Interno Bruto, mas para chegar lá em 2050, teria que crescer em média 3,6% nos próximos 50 anos. Isso teoricamente não seria problema, já que nos últimos 50 anos o crescimento médio do Brasil foi de 5,3%.
Mas há 20 anos, devido à crise da dívida externa que agora teve um fim, o crescimento médio caiu para pouco acima de 2%. Estamos, portanto, queimando gorduras que acumulamos nos trinta anos anteriores. Segundo as projeções do estudo da Goldman Sachs, o Brasil cresceria de 2005 a 2010 6,3% em média, contra 8% da China; 5,3% da Índia e 5,9% da Rússia.
Como o crescimento do PIB do ano passado deve ficar entre 2% e 3%, e nada, além da propaganda oficial, indica que poderá ser muito maior este ano, o próximo governo, seja ele qual for, terá muito trabalho pela frente para nos manter dentro da expectativa mundial de virmos a ser uma potência econômica dentro de 50 anos.
Ao contrário, China, Índia e Rússia continuam dentro das previsões do mercado internacional, tanto que no Fórum Econômico Mundial, Índia e China foram as atrações máximas, e a Rússia manteve-se como um dos centros das atenções, embora em escala menor e devido mais às suas características geopolíticas do que propriamente à performance econômica.
Os três países mereceram do Fórum painéis para analisar os cenários das suas economias para 2025. A nosso favor, temos o fato de, encerrada a crise da dívida externa, estarmos equilibrados em termos macroeconômicos e termos uma democracia institucionalizada. Nosso problema agora é a dívida interna, que bateu a casa do trilhão, devido aos juros estratosféricos.
Em comum com os outros três, temos ainda uma série de reformas estruturais a serem enfrentadas. Os três países também têm problemas mais graves que os nossos com as regras claras para investimento, embora o governo brasileiro, dividido entre o realismo da equipe econômica e a ideologia estatista de alguns setores, continue sem conseguir estipular normas definitivas para as agências reguladoras.
A China, por ser uma ditadura onde a lei é ditada pelo burocrata de plantão, e a Rússia, por ser um hiperpresidencialismo, regime em que o poder do presidente está acima dos demais poderes, e os controla, têm mais dificuldades para lidar com essa questão básica: serão esses países capazes de instituir um regime onde a letra da lei seja respeitada?
Com relação à China, houve um cuidado adicional: um projeto de um ano onde foram traçados três cenários depois de consultas a cerca de 150 pessoas entre executivos, acadêmicos e outros especialistas em seminários realizados em Pequim, Londres, Paris, Xangai, Cingapura e Washington. Duas questões básicas foram apresentadas:
· Pode a China implementar reformas internas para aumentar seu desenvolvimento?
· Como o relacionamento da China com o resto do mundo afeta seu desenvolvimento e molda o contexto mundial?
O primeiro cenário é considerado pelos especialistas o mais provável de acontecer. Denominado “Laços Regionais”, nele a China, confrontada com um ambiente internacional fortemente protecionista, volta-se para seus vizinhos asiáticos para comércio e investimentos. Para alguns especialistas, este é um cenário “altamente possível”, devido ao crescimento do protecionismo, que já se impõe no mundo de hoje. Além do mais, há quem veja o predomínio no mundo de uma visão pessimista em relação à China, que enfatiza mais as ameaças que ela representa do que as oportunidades.
Um cenário alternativo é o chamado “Promessas não cumpridas”, no qual se prevê que a tentativa do governo chinês de promover reformas profundas leva a crises políticas, sociais e até mesmo ecológicas, e a integração econômica com o mundo fica afetada pela insegurança dos investidores. Analistas em Davos consideraram que, ao contrário, esse cenário negativo só acontecerá caso a China não faça as reformas de que necessita.
O cenário mais positivo é o “Nova Rota da Seda”, no qual a China encontra crescimento equilibrado, apoiado por um forte crescimento global e o aprofundamento da integração internacional e de seu comércio. As reformas administrativas e financeiras levariam à criação de uma classe média e a um sistema moderno de mercado. Segundo analistas chineses, o novo plano de cinco anos que deve ser aprovado em março vai criar as condições para esse cenário se realizar.
Não por acaso, a China aproveitou o Fórum Econômico Mundial para anunciar esse plano, baseado em uma maior abertura de mercado, reformas estruturais, desenvolvimento sustentável e cooperação internacional. O plano econômico chinês para o período de 2006 a 2010 prevê a duplicação do PIB. (Continua amanhã)