O GLOBO
DAVOS. Coube ao jornalista Thomas Friedman, do “The New York Times”, e ao criador da Microsoft, Bill Gates, dar o toque de otimismo com relação ao futuro da Humanidade aqui no Fórum Econômico Mundial. Vencedor de três Pulitzer por suas colunas sobre política externa, e autor do best-seller “O Mundo é Plano”, publicado no Brasil pela Objetiva, onde mostra que a convergência de tecnologias está permitindo a inclusão de cerca de 2 bilhões de pessoas da Índia e da China no mercado internacional, Friedman explicou que foi Gates quem clareou suas idéias a respeito do papel da tecnologia no mundo moderno, fazendo com que compreendesse a convergência entre tecnologia, educação, política externa e desenvolvimento, que transformou a globalização em um fenômeno cada vez menos contestado.
Friedman disse ter certeza de que o avanço que identifica na Índia em seu livro não é apenas um fenômeno passageiro, uma fotografia do momento, como alguns críticos apontaram. “A cada vez que você vai à Índia, dá para notar fisicamente que a pobreza está ficando mais longe”, comentou Friedman.
Gates classifica a China como a grande surpresa em termos de redução da pobreza, superando todas as expectativas de 20 anos atrás, e citou alguns dados impressionantes: a venda de computadores pessoais cresceu no mundo cerca de 11% no ano passado, basicamente por causa da China, que se tornará brevemente o país com maior número de internet banda larga.
Para confirmar sua afirmação de que o capitalismo na China e na Índia é mais vigoroso que nos Estados Unidos atualmente, Gates fez uma brincadeira: lembrou que os Estados Unidos estão formando cerca de 75 mil engenheiros por ano, número decrescente, enquanto os chineses formam quase cinco vezes mais engenheiros, mas não são tão bons em educação física, setor que tem hoje muito destaque nas universidades dos Estados Unidos: “Parece que os chineses ainda não entenderam alguma coisa”, brincou Gates, demonstrando por que considera que o sistema educacional norte-americano está obsoleto.
Bill Gates, no entanto, considera que não existe o risco de os Estados Unidos perderem a dianteira, porque o sistema de pesquisa das empresas é muito forte, e se beneficia do financiamento de agências governamentais, sustentadas pelos impostos das próprias empresas, e do relacionamento com as grandes universidades.
Ele lembrou que a Microsoft abriu um centro de pesquisas na China, mas continuará investindo a maior parte de seus esforços nos Estados Unidos. “Ainda temos as melhores universidades, e isto faz a diferença”, lembrou Gates. Mas, segundo ele, apenas 25% dos estudantes americanos se formam em um nível de excelência de fazer inveja ao mundo. O que o sistema educacional americano precisa resolver é o que fazer com o restante, cuja maioria não tem mercado de trabalho.
Thomas Friedman disse que ficara impressionado ao saber de Craig Barret que a Intel poderia funcionar perfeitamente sem trabalhadores americanos, só usando mão-de-obra de países emergentes como China, Índia, Coréia e Taiwan. Um exemplo da ascendência de estrangeiros no mercado de trabalho foi dado por Friedman: algumas universidades americanas têm 100% ou quase de alunos estrangeiros, especialmente asiáticos, em seus programas de doutorado de ciências exatas.
Gates disse que essa teoria jamais se transformará em realidade, exatamente por que o sistema educacional americano ainda forma mão-de-obra qualificada suficiente, mas apóia a idéia de abrir mais a imigração para atrair estudantes estrangeiros bem dotados para as universidades americanas.
Gates lembrou que sua fundação está financiando um programa de universidades experimentais pelos Estados Unidos que já tem 1.500 unidades — representando 6% do sistema universitário americano — com características distintas do que chama de “fábrica modelo” das universidades tradicionais.
As universidades financiadas pela Fundação Bill Gates são menores, têm mais horas de estudo, usam tecnologia mais avançada e um sistema de relacionamento entre alunos e professores mais pessoal. Gates diz que suas universidades usam um sistema de incentivo mais forte do que as normais, mas são mais rigorosas, e têm obtido bons resultados.
Thomas Friedman chamou a atenção para o fato de que para escrever seu livro não conversou com rigorosamente ninguém em Washington. Disse que para ele os empresários americanos são pessoas que vivem em outro mundo, criando as condições para que a economia dos Estados Unidos se mantenha competitiva sem que essas políticas de desenvolvimento tenham a ver com programas oficiais de governo.
Para Gates, esse empreendedorismo é a garantia de que a economia norte-americana estará sempre à frente. Ele lembrou que na década de 80 do século passado parecia que o Japão dominaria o mundo, mas dez anos depois os Estados Unidos já estavam na frente novamente, graças ao trabalho de pesquisas e desenvolvimento especialmente da internet, que mudou a face da competição no mundo.
Para Bill Gates, o mundo está melhorando a cada década graças aos avanços da tecnologia, melhorando até mesmo os países que não fazem parte desse “mundo plano” de que fala Friedman, pelo avanço da medicina e de diversas outras tecnologias que permitem avanços em setores cruciais como a agricultura.
Bill Gates não tem dúvida sobre o futuro da China: “Quanto mais rica ficar, maior será o grau de liberdade”, garante ele, dizendo que a China ficará cada vez mais parecida com Taiwan, e por isso não haverá conflito. Gates acha que a internet é um instrumento irreversível de avanço dos valores democráticos na China, garantindo o fluxo de informações.