O presidente Lula pediu o fim da verticalização e 77% da sua bancada votaram contra a sua orientação. O PSDB votou inteiramente rachado. O ex-presidente do TSE discordou da decisão do Congresso; o futuro presidente é a favor. O assunto divide. Cientistas políticos ouvidos pela coluna acham que a verticalização é ruim e desrespeita a realidade do país.
Grande parte da imprensa tratou a verticalização como uma medida moralizadora, que daria coerência ideológica às chapas; portanto, condenou a votação do Congresso na semana passada como um voto a favor da bagunça. Vários cientistas políticos, porém, discordam inteiramente dessa visão.
— Há um vício de origem na verticalização. Ela não foi votada pelo Congresso em 2002, ela foi imposta por uma decisão do ministro Nelson Jobim, atendendo a uma consulta do deputado Miro Teixeira e isso poucos meses antes da eleição — lembra Fabiano Santos, do Iuperj.
— Eu não vejo problema algum no fim da verticalização, não acho que era uma medida para acabar com a "bagunça". Os políticos têm vários tipos de interesse legítimos, eles são eleitos por votos locais; é natural que queiram se organizar da forma mais conveniente. Numa democracia, é natural que os políticos façam cálculos de que alianças devem fazer para serem eleitos — diz a cientista política Argelina Figueiredo.
A decisão do Congresso, que abriu a possibilidade de que as alianças políticas sejam diferentes nos estados do que são na instância federal, foi vista como mais uma dos políticos. Seria uma regra que nos afastaria ainda mais do caminho certo na política.
Os técnicos no tema acham que julgar a verticalização com essa visão moralista é um erro. O Brasil é uma federação, repetem. Parece a declaração do óbvio, mas o país, com sua tendência centralizadora, tem que ser sempre lembrado de que é uma república federativa, e que isso pressupõe liberdade dos estados para legislar e decidir sobre inúmeras questões.
Argelina acha que é "ranço autoritário" querer impor coerência ideológica por decreto. Além do mais, a última eleição, feita sob a obrigatoriedade de ter as mesmas alianças nas disputas federal e estaduais, não criou essa coerência. Que afinidade ideológica pode haver entre o PL e o PT, por exemplo? Fabiano Santos acha que a crítica ao fim da verticalização tem um erro elementar:
— Ela está conceitualmente errada. Os partidos são nacionais, mas existem subsistemas partidários nos estados. Nos estados, os mesmos partidos seguem outra dinâmica, pelo caráter federativo do país — explica ele.
Mas o eleitor não se confunde? Fabiano acredita que não:
— O eleitor brasileiro sempre soube separar seus interesses locais dos federais. Na eleição de 2002, o Brasil deu um mandato ao PT para governar o Brasil e deu grande parte dos estados ao PSDB e ao PMDB. Ele pensou assim: tem muito desemprego, desigualdades, eu quero que o Lula governe o país; em São Paulo, o governo está ajustando as contas, organizando o estado, eu vou reeleger o Alckmin. Sempre foi assim, na História do Brasil. A verticalização não federaliza a eleição estadual, há o risco de que paroquialize a eleição federal.
A paisagem da federação dá razão aos cientistas políticos. PT e PMDB poderiam até se entender na disputa federal, mas, no Rio Grande do Sul, os dois partidos são forças políticas polares; na Bahia, PSDB se distancia do PFL, que é carlista, ainda que ambos tenham estado no governo Fernando Henrique; lá os tucanos se aliam mais ao PCdoB. Minas Gerais está num momento bem diferente em que a relação PT e PSDB parece extraordinariamente harmoniosa. Fabiano avalia que Minas parece seguir um projeto político próprio e para mais tarde. Na eleição municipal, os dois partidos, inimigos na área federal, não se enfrentaram. Ambos, governador do PSDB e prefeito do PT, são muito bem avaliados em seu desempenho administrativo. Há vários arranjos locais inteiramente diferentes do arranjo federal e isso não é ruim, nem bom; é natural num país grande, heterogêneo e federativo.
A natureza política do Brasil nunca foi muito bem entendida. Tanto na ditadura quanto na democracia. Na ditadura, houve a imposição do bipartidarismo e criou-se a sublegenda; na democracia, há decisões como esta, de obrigar alianças semelhantes em todos os níveis da disputa e a medida não cola.
— Critica-se o país por ter leis que não pegam, é porque são leis irreais. Leis sensatas pegam — afirma Argelina.
A verticalização é vista até hoje por muita gente como medida moralizadora. Basta lembrar-se daquela reunião entre os candidatos Lula e José de Alencar, em que o PT se comprometeu a entregar R$ 10 bilhões ao PL para financiar as eleições, segundo o relato de Valdemar Costa Neto. Aquela reunião ocorreu na vigência da verticalização.
Argelina acha que, em vez de pensar numa reforma política ampla, é preciso tomar decisões de engenharia política que produzam o efeito que se busca. Sobre a corrupção, ela acha que o melhor a fazer é aumentar a fiscalização e a transparência das contas.
— O financiamento público não vai impedir o caixa dois. O voto em lista não acaba com o caciquismo, aumenta sua força.
O Brasil tem vários problemas políticos, mas tem uma tendência de correr atrás de falsas soluções.