Armínio Fraga: Ex-presidente do Banco Central
Fernando Dantas
João Caminoto
Enviados especiais
Davos
Se o Brasil quiser ter um ritmo de crescimento mais próximo do chinês e indiano, vai ter de cortar gastos públicos e dar um choque de eficiência no governo, diz o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, hoje à frente da Gávea, empresa de gestão de recursos. Fraga diz que teve contatos recentes com os dois pré-candidatos do PSDB, Geraldo Alckmin e José Serra, mas prefere não assumir preferências partidárias.
Aliás, sobre o plano do economista tucano Luiz Carlos Bresser Pereira, de redução da dívida pública indexada ao overnight (paga o juro do dia fixado pelo mercado financeiro) - sobre o qual leu em uma entrevista na imprensa -, Fraga não esconde a sua opinião: "Interpretei como calote." A seguir, entrevista ao Estado, em Davos, onde participou do Fórum Econômico Mundial:
Por que o Brasil não cresce feito a China e a Índia?
São momentos diferentes na vida de cada um desses países. A China e a Índia estão vivendo momentos de crescimento mais acelerado, sem dúvida, mas que nós já tivemos no passado. A questão é saber se vamos engrenar de novo nessa onda de crescimento. Não seria como eles, mas é algo que pode acontecer. Acho que falta pouco. O Brasil precisa dar um choque de eficiência no governo e reduzir urgentemente os gastos públicos, que estão numa tendência explosiva, engolindo o País, quase um processo da família do câncer.
Não há vontade política de reduzir gastos públicos?
Não vejo, da parte do governo. Mas acho que, no início do próximo governo, é crucial que esse problema seja atacado rápido. Se for, o País pode dar uma deslanchada, com reformas importantes, inclusive na área da Previdência, para cortar gastos. É um problema de quantidade e qualidade do gasto público. Isso é crucial. O próximo governo, seja este, reeleito, ou outro, deveria arregaçar as mangas e fazer isso rápido. Se fizer, vai colher frutos extraordinários. Se não fizer, vai pôr o País em risco.
Quanto o Brasil poderia crescer, se fizesse a coisa certa?
Pode crescer 5% ao ano. Tem de poupar um pouco mais, mas num ambiente assim, a poupança viria. No primeiro momento, mais externa que interna, mas depois viria a interna também.
Como o sr. vê o crescimento este ano. A estimativa de 4% (do Banco Central) é muito otimista?
O mercado está projetando 3% ou menos. Não tenho previsão precisa, mas concordo mais ou menos com a projeção de mercado.
O economista Affonso Celso Pastore voltou à carga contra o que teria sido a política monetária excessivamente apertada do BC. O sr. concorda?
A economia cresceu menos do que se esperava, mas ao mesmo tempo a inflação ficou acima da meta. Olhando pelo retrovisor, o que sempre é injusto com aqueles que estavam tomando as decisões, a meta ajustada de 5,1% fixada em setembro de 2004, talvez tenha sido muito ambiciosa. A inflação de 2004 acabou ficando em 7,6%, e realmente sair desse nível para 5,1% não é fácil. Essa meta ajustada foi fixada pelo BC antes do final do ano, a inflação acabou ficando acima do esperado, e eles não quiseram revisar a meta. Não houve também uma avaliação de choques de oferta, e não se sabe bem a posição do BC em relação a isso.
Mas por que a inflação não cai mais com juros tão altos?
É extremamente difícil reduzir a inflação num país como o Brasil, no qual há pouco crédito, e o mecanismo de transmissão da política monetária é pouco poderoso. E, ao mesmo tempo, há o crescimento extraordinário do gasto público, e do próprio crédito, em função de inovações importantes, e boas a longo prazo, como o crédito consignado. Olhando tudo isso, era quase inevitável ter uma taxa de juros alta para atingir esse objetivo difícil.
Como o sr. vê a atual política cambial do País?
Acho que foi muito bom ter reduzido a parcela indexada ao câmbio da dívida pública e acumular reservas. A soma desses dois itens cambiais nos dois últimos anos dá US$ 100 bilhões. É muito. A pergunta é para que crescer tanto as reservas daqui para a frente. Provavelmente não vão fazer isto. A indexação cambial da dívida já acabou, também não faz muito sentido o governo ir na outra direção, virar credor em dólar. Esta fase está chegando ao fim, e se o câmbio se valorizar, isto vai impactar positivamente as expectativas de inflação, e o Banco Central vai poder reduzir mais o juro.
Mas não vai aumentar ainda mais a sobrevalorização do real?
O câmbio, no nível em que está, é difícil dizer que está sobrevalorizado, dado o crescimento do mundo, o preço das nossas exportações, o saldo positivo em conta corrente, o saldo positivo do investimento direto. Não dá para dizer que o câmbio está defasado. Para voltar ao nível real da véspera da crise de 1999, ainda falta de 20% a 25%. Para mim, a distorção maior não é o câmbio, mas sim o juro real de 12% a curto prazo e de 9% de longo prazo. É isto que a turma aqui questiona. Como é que pode?
Boa pergunta. Como é que pode?
Do jeito que eu já falei. O desafio de reduzir a inflação rápido, como temos procurado reduzir, exige um juro alto. Era inevitável. Passada essa fase, tenho certeza que teremos condições de ter juro muito mais baixo do que se imagina. E isso tem muito mais importância do que onde está o câmbio.
O que o sr. acha das idéias de economistas como Luiz Carlos Bresser Pereira e Luiz Carlos Mendonça de Barros, de agir de forma mais agressiva para reduzir a dívida pública indexada ao overnight?
Seria melhor não ter tanta LFT (título indexado ao overnight), mas temos de atacar os problemas que nos levaram a isto, e não o sintoma, que é a LFT. Este é um problema de segunda ordem, um problema técnico, menor do que os grandes problemas, como a redução do gasto público. Só li a entrevista do Bresser. A entrevista dele, propondo uma troca por um título com uma taxa de 5%, eu interpretei como calote.