Artigo: Claudio Haddad |
Valor Econômico |
27/1/2006 |
Neste mês, o governo federal eliminou tanto sua dívida interna em dólares, quanto a externa líquida, através da aquisição de reservas internacionais. Este é um fato inédito na história econômica brasileira e merece aplausos. Ao invés disso, a reação tem sido de crítica e censura. Esta reação é equivocada. A prudência indica que nenhuma empresa deve operar descasada em moedas. Se ela exporta em dólares, faz sentido ela se endividar nesta moeda no montante de sua receita externa. Também faz sentido ela se endividar em dólar caso tenha um ativo cujo valor esteja a ela atrelado, com cotação internacional e liquidez, como reservas de petróleo ou minério de ferro. Operando de forma a casar receitas e despesas, assim como ativos e passivos, nas mesmas moedas, a empresa estará protegida de flutuações cambiais, garantindo suas margens e podendo se concentrar integralmente em seu processo produtivo. Já ao assumir dívidas em moeda estrangeira, em excesso de suas receitas ou ativos internacionalizados, a empresa ficará descasada e estará especulando. Ao especular, a empresa e seus acionistas estão assumindo um risco cambial. Caso o real se valorize perante o dólar mais do que a expectativa embutida no diferencial de juros, a empresa ganha. Caso contrário, perde. Como o negócio da empresa não é a especulação, mas sim a atividade produtiva a qual ela se dedica, que já traz riscos próprios e significativos, por que deveria a empresa assumir riscos adicionais fora de sua área de competência? O que é válido para uma empresa é válido também, com mais forte razão, para o Tesouro. A receita do governo, principalmente derivada de impostos, é função da atividade econômica e quase que inteiramente indexada em reais. Fora as participações acionárias na Petrobras e em poucas outras empresas cujos ativos e produtos têm cotação em dólar, o governo brasileiro, tanto no fluxo quanto no estoque, está posicionado majoritariamente em reais. Logo, ao se endividar em dólares ou em outra moeda forte, o governo está especulando. Como os "acionistas" do governo somos todos nós, ao especular o governo está repassando o risco cambial para toda a população, sem que esta tenha sido consultada a respeito. Por que então os governos, mormente os de países emergentes, se endividam em dólares? Principalmente por falta de opção. Por terem mercados domésticos, financeiros e de capitais, incipientes (o que é fruto das políticas econômicas do passado, mas que não vem ao caso), os governos são atraídos pelo canto da sereia, de bancos ou de organismos internacionais, assumindo obrigações que aparentemente são mais baratas, mas que na prática acabam se provando muito mais caras. A história do endividamento público externo na América Latina é repleta de crises e calotes periódicos, com conseqüências nefastas sobre a produção, a renda e o emprego. Já no caso da dívida interna, a principal motivação para a emissão de dívida atrelada ao dólar, como em 1998, foi a de dar proteção cambial ao setor privado a fim de garantir o regime de taxas fixas. Se esta prática já era discutível naquela época, em um regime de taxas flutuantes, com mercados futuros líquidos, ela faz pouco ou nenhum sentido. A melhor opção é não se endividar em dólares ou, caso a dívida exista, eliminá-la. Foi exatamente isto que o Tesouro fez ao longo dos últimos meses, o Brasil chegando a uma posição inédita desde a independência: a de não ter dívida pública líquida em moeda forte. Os analistas que sempre apontaram a dívida externa como sendo o principal problema econômico do Brasil terão de descobrir outro bode expiatório. A eliminação da dívida pública em dólares é uma medida inédita e significa encerrar uma história que não costuma ter final feliz Se a notícia é tão boa, por que ela foi recebida tão friamente e até criticada? A crítica é centrada no fato de que às taxas de juros atuais e dada a valorização do real, a troca de indexador de dólar para real é aparentemente cara. Com efeito, acumulando as taxas de juros Selic e as internacionais nos últimos meses e convertendo este último valor pela taxa de câmbio, conclui-se que o endividamento às taxas Selic custou mais do que alternativa em dólares. Ou seja, ao trocar sua dívida de dólares para reais o Tesouro, contabilmente, registrou uma perda. O problema é que esta é uma análise pelo espelho retrovisor. Em 25/01, o mercado de NDF (mercado a termo de câmbio) projetava, para janeiro de 2007, uma taxa de câmbio de 2,46 reais por dólar, consistente com uma taxa Selic estimada de 16,4% para o período. Nestas condições, o que uma empresa endividada em dólares, com receitas em reais, deveria fazer? Manter ou ampliar sua exposição em dólares, apostando implicitamente que os juros continuarão elevados e a taxa de câmbio estará abaixo de 2,46 em janeiro de 2007, ou captar em reais e eliminar a dívida em dólares? Deveria a empresa operar como um "hedge fund", assumindo riscos e fazendo "trading" oportunistas, ou ter uma estratégia que levasse em conta sua exposição agregada, zerando a dívida em dólar e, desta forma, optando por fazer um seguro? Uma vez decidido fazer o seguro, reclamar do prêmio pago porque não houve o sinistro não é razoável. As perguntas relevantes são: 1) faz sentido o Tesouro especular, assumindo dívidas em dólar e operando descasado em moedas? 2) havendo opção, deveria o Tesouro eliminar este descasamento, protegendo-se contra possíveis desvalorizações do real? 3) Dado o nível de liquidez dos mercados, o timing da eliminação da dívida em dólares é relevante nesta decisão? Em vistas do discutido acima, as respostas às perguntas de 1 a 3 são não, sim e não. A zeragem da dívida em dólares pode ser vista de duas formas: como uma decisão estratégica tendo em vista o gerenciamento de riscos do país, ou como uma operação de "trading" oportunista. Nesta última visão, ela trouxe, até agora, prejuízos para o Tesouro, embora a estória ainda não tenha chegado ao fim. Já pela primeira interpretação, a discussão sobre o seu custo perde o sentido. A eliminação da dívida pública em dólares é uma coisa boa. Significa encerrar uma história que normalmente não tem final feliz. Vamos torcer para que ela seja permanente. |
Entrevista:O Estado inteligente
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