Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Raul Velloso Hora e vez dos gastos obrigatórios

O ESTADO DE S PAULO

Graças ao câmbio flutuante, à subida dos preços das commodities relevantes para o Brasil e ao forte crescimento do comércio mundial, houve expressivo aumento das exportações e dos superávits comerciais. Em conseqüência, reverteram-se os antigos déficits em conta corrente do balanço de pagamentos, passando o País a também exportar poupança, algo complicado a longo prazo.

Juntamente com a alta liquidez mundial, os novos superávits externos têm levado a forte apreciação da taxa de câmbio, revertendo sua trajetória anterior. Com isso o equacionamento das contas externas levou à redução das pressões inflacionárias, abrindo mais espaço para a tão sonhada queda das taxas de juros.

Antes, na fase de realinhamento da taxa de câmbio, tanto a inflação como a dívida pública haviam sido pressionadas para cima. Diante disso, aumentaram-se os juros internos e, portanto, a necessidade de gerar superávits fiscais elevados. Mesmo com superávits altos, mas também porque a economia cresceu menos, não deu para trazer a razão dívida/produto interno bruto (PIB) para níveis abaixo de 51%. Logo, a melhoria das contas externas teve um preço alto. Dado o consenso de que a razão dívida/PIB precisa cair drasticamente no País, e como os superávits são altos, parece agora que basta reduzir as taxas de juros.

Ocorre, porém, que a evolução da razão dívida/PIB não se beneficiou da recente apreciação cambial, pois a parcela da dívida interna ligada à taxa de câmbio vem sendo trocada basicamente por papéis ligados à taxa Selic. E, como o diferencial de juros Brasil-resto do mundo é ainda muito grande, o Banco Central compra volumes crescentes de divisas, sob pena de a apreciação cambial se intensificar. Isso agrava o problema da dívida pública, pois o custo da emissão nova destinada a enxugar o aumento de liquidez resultante é bem mais alto do que a remuneração das reservas aplicadas no exterior.

E os juros? A média das expectativas é que a Selic continuará a ser reduzida gradualmente, apostando-se que vai fechar o ano em 10,8% acima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ainda muito acima dos padrões mundiais. Nesses termos, será preciso que o governo gere altos superávits primários ao longo de 2006. Mais adiante, contudo, mantendo-se o atual cenário externo de "céu de brigadeiro", a continuação do processo de queda gradual das taxas de juros poderia levar a uma taxa básica real de juros bem mais baixa e à redução da atual necessidade de elevados superávits.

Falta apenas "combinar com o adversário", como se dizia à época de Garrincha. Diante do iminente esgotamento do processo de geração dos elevados superávits fiscais primários dos últimos anos, eles tendem a cair antes de ser possível trabalhar com metas de redução dos superávits públicos.

Como venho alertando há algum tempo, os gastos obrigatórios do governo vêm crescendo de forma descontrolada desde o lançamento do Plano Real. Superávits altos só têm sido possíveis porque os gastos de investimento e outros gastos discricionários são sistematicamente cortados e a carga tributária tem subido muito. Agora, os primeiros já atingiram o fundo do poço e a carga, seu limite superior. Ou seja, mesmo num quadro favorável de redução progressiva da taxa Selic e sem novos choques, é preciso atacar o problema dos gastos obrigatórios excessivos. Caso contrário, a razão dívida/PIB não cai. Tudo isso, obviamente, piora se vier um novo choque desfavorável.



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