Na tentativa de evitar a elevação do salário mínimo para R$ 350 a partir de abril, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apresentou um argumento aparentemente forte. Com esse valor e a antecipação da vigência em um mês, quase mil municípios ficarão sem condições de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. O argumento não evitou que governo e centrais sindicais acertassem o novo salário mínimo, mas trouxe à discussão a situação financeira dos municípios.
Em cinco anos de vigência, a LRF impôs, para a imensa maioria dos gestores de recursos públicos, um novo padrão de conduta. Normas rígidas para autorização e contratação de despesas, para o endividamento público, para gastos com pessoal, entre outras, acompanhadas da definição de penas para os que não as cumprirem, mudaram o comportamento dos administradores do dinheiro do contribuinte, com resultados muitos positivos para a sociedade.
A lei é rigorosa. Atos como não reduzir no prazo previsto a despesa de pessoal que houver excedido o limite, não enquadrar a dívida nos limites legais, não remeter periodicamente as contas para o governo federal e não apresentar nos prazos legais os relatórios de gestão fiscal à Câmara Municipal e ao Tribunal de Contas podem resultar em punições severas. Entre estas estão multa de 30% dos vencimentos anuais, perda de cargo, cassação de mandato e reclusão por até três anos.
Para um certo número de municípios, porém, nada disso tem funcionado. Como mostrou reportagem de Ribamar Oliveira publicada quinta-feira pelo Estado, centenas de municípios do Norte e do Nordeste nunca prestaram, como manda a LRF, informação à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) sobre seus gastos com pessoal. Por isso, não se sabe se eles cumprem o limite para esses gastos, de 54% da receita corrente líquida.
No Maranhão, apenas 12 municípios cumprem a norma. Outros 165 nunca enviaram relatório ao Tesouro e 28 estão com as informações desatualizadas. No Amazonas, a situação é pior. Só Manaus está em dia com a prestação de contas. Dos demais municípios, 58 nunca enviaram relatório e 4 estão com os dados desatualizados.
Do total de 5.562 municípios brasileiros, a STN analisou relatórios de 4.766. São dados contábeis relativos a 2003. Dos municípios analisados, 363 gastaram com pessoal mais do que a LRF permite. O presidente da CNM prevê que, com o novo mínimo, esse número poderá superar 900.
A lei concede prazos para que os municípios que estiverem acima do limite façam o ajuste e se enquadrem às normas. No caso dos gastos com pessoal, o prazo é de oito meses. Se, encerrado esse prazo, a LRF continuar sendo desrespeitada, cabem punições. O presidente da CNM não se assusta com isso. "Afinal, quem já foi condenado?", pergunta. De fato, ninguém foi. E nenhuma prefeitura deixou de receber repasses da União por descumprimento da lei.
É mais do que tempo para começar a aplicar as sanções previstas, para evitar a desmoralização da LRF. Multar os responsáveis pelo descumprimento de normas, tarefa que compete aos Tribunais de Contas, e, sobretudo, interromper as transferências voluntárias de recursos federais para as prefeituras que sistematicamente desrespeitam a LRF, ato de competência da Secretaria do Tesouro Nacional, podem ser medidas duras, mas são necessárias em casos de práticas contínuas de irregularidades.
Observe-se que as transferências a serem suspensas são as voluntárias, aquelas que o governo federal não é obrigado a fazer. As obrigatórias não podem ser interrompidas.
E estas representam 75% dos recursos com que contam os municípios (dado de 2003). Isso significa que as prefeituras arrecadam apenas 25% do que gastam; o restante vem de contribuintes do resto do País. Por isso, o mau uso do dinheiro público num município do interior do Nordeste é pernicioso para todos os contribuintes. Isso torna ainda mais necessário impor também a esse município as regras que valem para a União, para os Estados e para os demais municípios.