Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 28, 2006

VEJA Com dinheiro do povo

Com dinheiro do povo

O que Hugo Chávez e Ciro Gomes
têm em comum? Compram o
Carnaval para fazer propaganda


Daniela Pinheiro


Montagem sobre fotos de Jose Caruci/João Miguel Jr.
Chávez: 1 milhão de reais para fazer bonito no Sambódromo

A farra de autopromoção que Hugo Chávez vem fazendo à custa do dinheiro do povo venezuelano é um crime à espera de castigo. Chávez oferece petróleo a preços módicos a países cujo apoio quer conquistar – como a Bolívia –, dá sobrevida à moribunda ditadura castrista em Cuba e inebria os intelectuais da esquerda brasileira com suas promessas de dinheiro farto. Sua última cartada é o samba. Ou, mais especificamente, o Sambódromo carioca. Chávez doou 1 milhão de reais para o desfile da escola de samba Unidos de Vila Isabel, que terá a América Latina como tema de seu enredo. O dinheiro vem direto dos cofres da PDVSA, estatal do petróleo e a maior empresa do país. Ineficiente, corrupta e anacrônica, a indústria petrolífera de Chávez vem se esbaldando nos altos preços do combustível no mercado mundial. O presidente enfia a mão nos cofres da empresa e distribui o dinheiro como quer. Essa farra também não vai durar para sempre.

A transação carnavalesca foi intermediada pelo embaixador Julio Garcia e por cônsules venezuelanos em várias reuniões com os diretores da escola no Rio de Janeiro e em Brasília. O desfile da Vila vai custar 4 milhões de reais. O presidente da escola, Wilson Vieira Alves, afirma que a idéia do enredo "Soy loco por ti, America" nada tem a ver com propaganda política de nenhum governo.

Das pelo menos vinte empresas procuradas pela escola, a única latino-americana a garantir o patrocínio foi a PDVSA. Outras cotas, num total de 800.000 reais, serão divididas entre a brasileira AmBev, um estaleiro e um shopping center cariocas e a americana Philip Morris (olhe o imperialismo aí, gente...!). O desfile contará, é claro, com uma ala da Venezuela. O país será representado por uma escultura de gesso de 13 metros de altura do herói da independência do país, Simón Bolívar. Idolatrado por Hugo Chávez, Bolívar inspirou o presidente venezuelano a ressuscitar o mito do bolivarianismo. O embaixador da Venezuela admitiu na semana passada que é possível que Chávez vá à Marquês de Sapucaí – só não se sabe com que fantasia.

O financiamento de governos e empresas privadas às escolas é coisa antiga no Carnaval carioca. Há anos, o Salgueiro, por exemplo, recebe dinheiro público em troca de enredos sobre destinos turísticos. Já falou sobre o Pantanal e ganhou verbas do governo de Mato Grosso do Sul. Também cantou as maravilhas de Natal financiado pelo governo do Rio Grande do Norte. Eram promoções eminentemente comerciais: o objetivo era fomentar o turismo nesses estados.

A novidade é a abertura dos cofres servindo claramente a interesses políticos – seja para popularizar um político ou uma obra estatal. É o que fez o ministro Ciro Gomes, da Integração Nacional. Ele pediu pessoalmente ao governador do Ceará, Lúcio Alcântara, de quem é amigo, um repasse de 500.000 reais para o desfile da Mangueira. O enredo que a mais tradicional e popular escola de samba carioca vai apresentar na avenida trata do Rio São Francisco. Ciro aproveita para tentar aprovar a transposição de verbas, digo, de águas, uma batalha pessoal dele. Apesar de ter pedido o dinheiro, ele se recusa a falar no assunto. "Isso não é assunto do ministério", diz seu assessor, Egidio Serpa. Não? E por que, então, o próprio ministro bateu às portas do governo cearense usando seu prestígio para tirar uns trocados dos cofres estaduais? Uma pesquisa do Ibope, divulgada na semana passada e feita apenas com moradores da região afetada pelas obras, mostrou que 43% deles são contra a idéia. "Foi um pedido feito pelo ministro Ciro e repassado para mim pelo vice-governador", disse a subsecretária de Cultura do Ceará, Lúcia Cidrão. Segundo ela, os termos da ajuda financeira são explícitos. "Vamos dar esse dinheiro porque está claro para o governo do Ceará que a transposição é fundamental para o país. Se isso puder popularizar a idéia, não vamos medir esforços", diz. Na avenida, a escola de samba vai mostrar uma ala sobre o Ceará, com um carro representando a farta produção de rosas do estado e outro com uma amostra da cultura popular local. O projeto da transposição está parado devido a duas liminares da Justiça contra o início das obras. É ver se a população e o ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, que vai julgá-las, vão se comover com a alegoria do desfile. Afinal, a farra com dinheiro público, brasileiro ou venezuelano, não pode parar.

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