Evo Morales chegou à presidência da Bolívia em conseqüência da incapacidade do sistema político e partidário anterior de realizar as mudanças que o país exigia. Mas terá ele as condições pessoais e políticas para tirar a Bolívia do caos institucional - sua eleição, num pleito limpo e normal, foi alvissareira, mas de forma alguma uma prova cabal da vitalidade das instituições -, promover o crescimento e, sobretudo, estabelecer as bases da paz social no país?
As circunstâncias mesmas que determinaram a vitória de Morales são, passado o período de exaltação eleitoral, os fatores que podem comprometer a sua administração, desde os primeiros dias. Ele deve parte considerável de seu êxito às expectativas que se formaram de que, dada sua origem indígena e sua militância social, teria condições de reduzir as mazelas sociais e econômicas da Bolívia em curtíssimo prazo.
Se não conseguir isso, decepcionará esses eleitores e perderá apoio. Já os grupos radicais, que nunca esperaram milagres, assim mesmo passarão a pressionar o novo governo para que faça o impossível, tão logo acabe o período de graça concedido para que a nova administração se instale.
Evo Morales teria alguma possibilidade de vencer esses obstáculos se contasse com uma equipe de governo experiente e capaz de planejar os passos necessários para o ajuste das contas públicas, a luta contra a pobreza e a geração de riquezas. Mas, sem formação adequada e com nenhuma experiência administrativa, e sem poder contar com quadros de seu partido - na verdade inexistentes, pois o Movimento ao Socialismo não passa de uma frente de movimentos sociais e não tem a estrutura clássica de um partido -, Evo Morales caiu na armadilha da esperteza.
Nomeou ministros, ou pessoas de seu círculo de amizades ou pessoas que, fora do governo, poderiam atazaná-lo com uma oposição ferrenha e sistemática. "Ceder certos ministérios a líderes sociais é necessário para manter a governabilidade e não ter, imediatamente, pessoas na rua fazendo exigências", explicou uma partidária do presidente.
Mas essa tosca esperteza deixa Morales sem qualquer possibilidade de fazer um governo eficiente, capaz de garantir um mínimo de estabilidade, nas condições atuais da Bolívia.
Mais cedo do que pensa, ele descobrirá que o fato de ter sido o primeiro indígena a chegar à presidência não é condição suficiente para fazer um bom governo. Para isso é preciso estar cercado por auxiliares de reconhecida competência que inspirem confiança na população - e não por meros representantes de facções radicais.
A lista de ministros de Evo Morales é de uma indigência de credenciais assustadora. Dos 16 ministros, 1 ou 2 têm alguma discreta vivência administrativa. Os outros vão tentar aprender o ofício de gerir a coisa pública no exercício do cargo e em condições políticas das mais adversas.
A escolha de ministros segundo critérios de amizade e relacionamento pessoal ou de neutralização de potenciais ameaças beira a irresponsabilidade. Os dois ministros mais importantes - o da Presidência e o do Planejamento -, incumbidos de preparar a instalação de uma Assembléia Constituinte, mudar o modelo econômico e assegurar a governabilidade política e social, são acadêmicos que nunca exerceram cargos administrativos, públicos ou privados, nem tiveram experiência parlamentar. A ministra do Governo, que responderá pelos serviços de inteligência e segurança e pelo combate ao narcotráfico, é praticamente desconhecida na Bolívia.
A credencial do ministro das Águas é ser líder da Federação de Juntas de Vizinhos de El Alto. O ministro de Mineração e Metalurgia é um dos líderes do movimento de mineiros. O importante Ministério de Hidrocarbonetos está nas mãos de um advogado e jornalista que se especializou em atacar ferozmente as empresas petrolíferas estrangeiras, com as quais renegociará os contratos de concessão. O chanceler é um economista com ligações com organizações não-governamentais européias, mas nenhuma experiência diplomática. E a ministra da Justiça dirigia o sindicato das empregadas domésticas, depois de ter exercido a profissão.
Com uma equipe desse nível, só um milagre evitará um desastre de Evo Morales mais estrondoso que sua vitória.