O GLOBO
DAVOS. A Índia está se apresentando aqui em Davos como uma China democrática, isto é, uma boa alternativa de investimentos em um ambiente com regras seguras e transparentes. Enquanto a China cresce a uma média de 10% anuais há 25 anos, a Índia apresenta resultados não tão impactantes, mas também importantes: cresce à média de 6% ao ano nos últimos quinze anos, com os diversos governos se sucedendo sem perder de vista objetivos nacionais permanentes. Esta seria a diferença básica para países como o Brasil e o México, mais importante até do que a taxa de crescimento: projetos de Estado ganham prioridade em relação às disputas internas de grupos políticos, o que permitiria a aceleração do desenvolvimento.
O orgulho pelo ambiente democrático da América Latina, que mesmo caminhando cada vez mais para a esquerda não corre o risco de uma recaída em governos autoritários, não parece ser o maior atrativo dos investidores internacionais. O que fica claro nos debates aqui é que a estabilidade do ambiente em que os investimentos são feitos é mais importante, seja ela decorrente de uma democracia estabilizada, ou de uma ditadura como a chinesa, que pode garantir um horizonte de 15 a 20 anos para os investidores estrangeiros.
A garantia de que as regras legais serão cumpridas, e a transparência de suas aplicações, é um dos pontos centrais das exigências dos investidores para a América Latina, como se na China as regras fossem protegidas por um sistema legal eficiente. Na verdade, o que atrai na China é a capacidade de fazer dinheiro num mercado cada vez maior, o que compensaria os riscos dos investimentos.
A Índia, com crescimento médio de 6% ao ano, vai garantindo também essa capacidade de recompensar os investidores internacionais, mais do que a América Latina, que em 2004, seu melhor ano em duas décadas, teve um crescimento médio de 5,5% ao ano.
Pelo menos aqui no Fórum Econômico Mundial há um sentimento generalizado de que esse crescimento medíocre tem diversas razões, mas uma é a mais importante: o baixo índice educacional das populações, o que leva os países a perderem competitividade.
Os recentes indicadores de competitividade internacional mostram que o Brasil caiu oito posições, e o México outras sete, e esta é a maior razão para a América Latina estar fora do foco do Fórum Econômico Mundial: a região está ficando para trás na corrida globalizada.
"Nossos países estão perdendo o momento", lamentou-se o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, ao falar ontem num almoço onde se discutia a capacidade de Brasil e México, as duas maiores economias da América Latina, competirem com China e Índia na batalha por investimentos internacionais. Para o ministro brasileiro, a diferença entre os dois países latino-americanos e Índia e China "é o compromisso de realizar".
Furlan admitiu que embora as economias sejam semelhantes em tamanho, a rapidez da Índia é maior que a de Brasil e México. Mas lembrou as vantagens competitivas que o Brasil teria a explorar. Não temos ajustes a fazer em nossa cultura com relação à União Européia e aos Estados Unidos; temos paz em nossas fronteiras, uma alusão aos problemas da Índia com o Paquistão; temos uma única língua e uma única nacionalidade (ao contrário de Índia e China, cada qual com seus problemas de divisões em castas ou disputas, no caso da China, com Taiwan).
Furlan destacou o fato de termos uma democracia consolidada, e ativos que são estratégicos a longo prazo, como um dos maiores reservatórios de água do mundo e como patrimônio fontes de energia como petróleo, gás, e alternativas como os biocombustíveis, especialmente o etanol.
Essa nossa vantagem competitiva na questão da energia é ressaltada por diversos empresários presentes aqui no Fórum Econômico Mundial, como José Grubischi Filho, da Brasken. Ele, que foi um dos debatedores, tem uma visão crítica do que está sendo feito em termos de reformas no Brasil, que considera insuficientes. Mas é otimista em relação à capacidade de competição brasileira em diversos setores, entre eles o da energia, destacando o álcool como combustível alternativo de valor internacional.
Ele acha que faltam aos líderes da América Latina projetos ambiciosos, diz que o Brasil avança moderadamente, mas acredita que o país está no caminho certo e voltará a ser um destaque positivo no mundo globalizado.
Para além das campanhas de marketing, o ministro Furlan admitiu que o Brasil não está crescendo o suficiente, e não realizou todas as reformas de que necessita. Mas disse que as dificuldades de aprovar as reformas no Congresso fazem parte do processo democrático: "Com quinze partidos atuando no Congresso, fica mais difícil. Mas é assim mesmo", resignou-se Furlan.
Durante os debates, houve a constatação de que a América Latina está fora das grandes discussões deste ano em Davos, e o ex-presidente do México Ernesto Zedillo definiu o espírito geral como de depressão, mas tentou ver o lado bom da situação ao dizer que "já estivemos como protagonistas aqui em Davos pelos motivos errados, e agora pelo menos não estamos sendo criticados".
Houve uma reação ao que parecia ser uma excessiva complacência com resultados medíocres, mas a verdade é que tanto Brasil quanto o México estão em situações semelhantes: não têm nenhuma grande crise, e não têm também nenhum grande resultado para mostrar ao mundo. Quem definiu bem a situação foi o moderador do debate, Felipe Larrain Bascunan, professor de economia da Universidade Católica do Chile, que disse que esperava que a região estivesse "em transição para fazer barulho aqui em Davos pelas boas razões".