Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Isto é fazer o leitor de bobo Luiz Weis

Isto é fazer o leitor de bobo

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O Estado de S. Paulo
25/1/2006

Ano eleitoral é campo minado para a mídia. Na disputa pelo voto, não há candidato que não queira fazer da imprensa seu instrumento. É vasto o repertório de truques a que recorrem os políticos e seus comunicadores para que o noticiário saia a seu gosto - naturalmente, sem que o público se dê conta da esperteza.

O espírito da coisa é criar o maior número possível de situações que os americanos chamam depreciativamente media events, fatos confeccionados com o único propósito de ocupar espaço nos horários e nas páginas nobres de emissoras e publicações.

A chance de um evento do gênero emplacar depende do poder de pressão do próprio acontecimento produzido para repercutir: dificilmente uma declaração estrepitosa de um candidato importante pode ser ignorada pelos órgãos de mídia.

Mesmo quando os editores farejam que a fala do político é o que Shakespeare dizia da vida - uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, e que nada significa -, a mentalidade de manada, filha da insegurança, os inibe de mandar para o lixo o que parece notícia, mas não passa de um factóide em busca das luzes da mídia. Isso presumindo sempre que os jornalistas em posição de decidir o que entra e como nos seus veículos mantenham apertada a coleira em torno das suas preferências e idiossincrasias - e tenham carta branca de quem lhes paga o salário para fazer suas escolhas a partir de exclusivos critérios profissionais.

Ao espectador, ouvinte ou leitor curioso cabe não apenas separar o proverbial joio do trigo em cada notícia ou números de pesquisas que podem influir na sua intenção de voto, mas ainda avaliar se quem os transmitiu foi complacente com a parte interessada ou inocente útil numa armação.

Em ano eleitoral, portanto, a questão da credibilidade da mídia representa um desafio mais espinhoso do que o de costume para o jornalista que procura jogar limpo com o consumidor, apesar dos constrangimentos estruturais da indústria da notícia.

Para merecer a confiança do público, sobretudo no acidentado curso de uma campanha nacional, emissoras, jornais e revistas têm de se conduzir como o doutor Ulysses Guimarães exigia dos detentores do poder: não roubar, não deixar roubar, punir os que roubam. O que a imprensa não pode roubar, evidentemente, é a verdade.

Nesse sentido, a semana passada trouxe aos brasileiros uma noticia má - e outra, boa. A má notícia veio da revista IstoÉ. A boa notícia veio de outros periódicos. Juntas, servem de alerta e de lição.

Para quem estava de férias: na quinta-feira o Jornal Nacional (JN) divulgou os resultados de uma pesquisa eleitoral encomendada pela IstoÉ ao Ibope. Entre os dias 12 e 16, o instituto ouviu 2.002 eleitores em 143 municípios.

A julgar pelo material oferecido à Rede Globo, estranhamente a sondagem começava e terminava no primeiro turno, embora todas as suas sete simulações indicassem que a segunda rodada seria inevitável - do que, por sinal, ninguém duvida.

Algumas delas chegavam ao ponto de excluir Lula do confronto derradeiro, como se passasse pela cabeça de alguém que ele possa descarrilar já na primeira volta. Mas o JN se limitou a dar o que recebeu.

No dia seguinte, os jornais repetiram e "repercutiram" a principal informação do levantamento: a volta de Lula ao topo das preferências. Na pior das hipóteses, ficaria quatro pontos à frente de José Serra (35% a 31%), no limite da margem de erro, portanto.

Mas, a essa altura, começou a emergir a verdade subtraída aos desprevenidos leitores da IstoÉ e aos espectadores do JN (nesse caso, involuntariamente, ao que parece). O Ibope, para não sair mal na fita, colocou a pesquisa no seu site. Este jornal, pela repórter Mariana Caetano, e a revista Veja foram buscar os números no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Publicaram no sábado o que acharam. A Folha de S.Paulo e O Globo os seguiram no domingo.

Pausa para falar bem das leis brasileiras: cópias dos questionários, das metodologias e dos resultados dos levantamentos de intenção de voto para fins de divulgação devem ser entregues à Justiça Eleitoral em prazos determinados, onde ficam acessíveis, mesmo se os donos das pesquisas resolverem engavetá-las.

Esse mecanismo antifraude eleitoral permitiu descobrir não só os números omitidos do segundo turno, mas também que o ex-governador fluminense estava em outros dois cenários perfeitamente supérfluos, por impensáveis (um tira-teima com Serra, outro com Alckmin).

Mas, graças a isso, a IstoÉ pôde dar na capa que "(...) Garotinho é o candidato viável para quem não quer PT nem PSDB". O resto veio por gravidade: leu-se que o Ibope tinha recebido R$ 126 mil não só para apurar o que os votantes fariam "se a eleição fosse hoje", mas também o que acham do marido da governadora Rosinha - e só dele.

Quem encomendou a pesquisa queria saber, por exemplo, qual a principal ação de Garotinho que faria o entrevistado cravar o seu nome. A lista dos seus presumíveis atributos incluía "mostrar que é a favor dos pobres", "mostrar que saberá combater a corrupção e a impunidade" e "não misturar religião com política".

Não é preciso ser Ph.D. em "pesquisismo" para saber que a maneira de fazer uma pergunta é meio caminho andado para a resposta que se queira. No episódio, o Ibope afirma que o cliente foi o responsável pelo conteúdo da sondagem e a linha das indagações.

O pior, o espantoso, foi a explicação da revista sobre a ocultação dos números do segundo turno, conforme resumiu o Estado de ontem: a esta altura, os dados não têm valor jornalístico. Então, tá. (Sobre a versão dada ao Jornal Nacional de que a pesquisa se limitara ao primeiro turno, nenhuma palavra.)

Isto não é jornalismo confiável. Isto é fazer o leitor de bobo.

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