O governo brasileiro formalizou no sábado seu apoio ao ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). O protocolo oficial foi assinado demanhã pelos ministros de Relações Exteriores, Celso Amorim, e do Desenvolvimento, Luiz Furlan. Pelo governo russo assinou o ministro do Comércio, German Gref. A cerimônia ocorreu num hotel em Davos, na Suíça. Só faltou um detalhe: dar um conteúdo prático, para o Brasil, aos acordos anexados ao protocolo. Dificilmente Moscou terá conseguido ou poderá conseguir um apoio tão gracioso a seu propósito de se inscrever no sistema multilateral de comércio.
Estados Unidos, Austrália e Colômbia ainda não concluíram as negociações com a Rússia. Seus governos esperam algo em troca dessa ajuda. Os Estados Unidos já têm, por exemplo, uma grande cota para venda de carne ao mercado russo, mas isso não basta para suas pretensões. O governo brasileiro contentou-se com muito menos - quase nada, de fato.
Vários países têm cotas para exportação de carne. O Brasil, no sistema de cotas, permanece na categoria "outros". Exporta grandes volumes para a Rússia, não por ser tratado como um parceiro relevante, mas por ser um dos poucos países capazes de atender à demanda.
Os anexos ao protocolo estipulam compromissos de expansão do comércio entre os dois países e cooperação nos campos espacial, aeronáutico e científico. Na prática, nada disso tem grande significado. Acordos de cooperação científica e tecnológica, na maior parte, produzem resultados pouco expressivos. Quanto à expansão do comércio, dificilmente se faz por decreto.
Em relação ao comércio de carne, o governo russo somente se comprometeu a rever a situação brasileira cinco anos depois de formalizado o protocolo bilateral. Nem sequer garantiu a concessão de uma cota para o País. Além disso, acordos desse tipo, mesmo quando mais específicos, têm significado muito restrito, neste momento, quando se negocia na OMC a redução, quando não eliminação, de barreiras de todo tipo. Se ingressar na OMC, a Rússia terá de aceitar as normas multilaterais e ninguém sabe, agora, como estarão as barreiras tarifárias e não tarifárias dentro de cinco anos.
O fato é que o governo brasileiro prometeu e cumpriu, sem a mínima segurança de contrapartida. No momento da assinatura do protocolo, por exemplo, o ministro russo negou-se a discutir a situação das compras de carne brasileira, limitadas há alguns meses, desde o aparecimento de focos de aftosa em Mato Grosso do Sul. O assunto estava na agenda do ministro Furlan, mas não foi examinado.
Em Brasília, os grandes enxadristas do tabuleiro internacional que assessoram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderão dizer que todas essas preocupações são mesquinhas e que nada disso tem relevância. A aliança com a Rússia, segundo esses argutos negociadores, é estratégica. O principal conselheiro do presidente para assuntos internacionais já declarou que a Rússia, geograficamente, é um país do Norte, mas geopoliticamente é do Sul. Uma bobagem desse tamanho é quase um ato de terrorismo, porque pode matar de rir o presidente russo. Mesmo depois do desmonte da União Soviética, a Rússia está longe de ser um país em desenvolvimento. O reconhecimento desse fato está implícito em sua condição de membro do G-8 - que, aliás, só é G-8 porque a Rússia foi agregada ao clube das economias mais ricas do mundo. A Rússia não é rica, mas a sua anexação ao grupo tem claramente - aí, sim - um sentido estratégico. O governo russo, assim como o chinês, não tem nenhuma ilusão terceiro-mundista, nem a mínima pretensão de se imiscuir num ingênuo projeto de articulação Sul-Sul para enfrentar os perversos gigantes do Norte.
Comerciar com a Rússia é bom, assim como é bom comerciar com muitos outros parceiros. Os empresários brasileiros sabem disso. O governo anterior, também. O aumento do comércio com a Rússia, com a China e com outros mercados não tradicionais é um resultado dessa percepção e de um trabalho penoso iniciado muito antes da posse da administração petista. Só os desinformados ignoram esse fato. Sendo desinformados, podem até deleitar-se com fantasias sobre alianças estratégicas que só existem nas suas cabeças.