A Câmara põe fim à verticalização
e promove mais um vai-e-vem
na legislação eleitoral
Camila Pereira
Celso Junior/AE |
Deputados festejam aprovação da emenda: toda aliança será permitida |
Um dos maiores entraves ao progresso material e institucional é a mudança oportunista nas regras do jogo político. A imprevisibilidade abala a imagem de um país e afugenta os investidores. No Brasil, onde esse é um problema histórico, a Câmara deu mais uma contribuição para aprofundá-lo. A nove meses das eleições, deputados aprovaram na semana passada uma emenda constitucional que põe fim à regra da verticalização, criada há apenas quatro anos. Apesar de a Constituição prever que alterações eleitorais só podem entrar em vigor um ano após sua promulgação, a medida passará a valer já na próxima campanha. O argumento é que o texto constitucional se aplica às leis, e não às emendas, como é o caso. Se essa interpretação prevalecer, o país manterá uma triste rotina: desde 1988, quando se restabeleceram as eleições diretas para presidente, não houve dois pleitos seguidos com as mesmas regras.
A verticalização derrubada na última quarta-feira foi instituída em 2002 pelo Tribunal Superior Eleitoral e previa restrições para as coligações. Partidos de coligações adversárias na eleição presidencial ficavam impedidos de se unir nas eleições para governador, senador ou deputado (veja quadro abaixo). Ao liberá-los para o vale-tudo de alianças partidárias, o fim da verticalização beneficia legendas como PFL e PMDB – fortes regionalmente, mas com pouca unidade nacional. O presidente Lula, que se empenhou pessoalmente na aprovação da emenda, também acredita que o fim da regra torna mais fácil uma coligação do PT com legendas pequenas como PL, PP e PTB.
A criação de regras de última hora para atender a interesses eleitorais, o conhecido casuísmo, foi uma prática comum durante o regime militar. O termo popularizou-se em 1977, com o Pacote de Abril. Criado pelo então presidente Ernesto Geisel para beneficiar seu candidato à sucessão, o general João Figueiredo, o pacote instituiu aberrações como o senador biônico, eleito indiretamente. Mas os sucessivos governos pós-abertura enraizaram essa prática. José Sarney ampliou o mandato presidencial para cinco anos, e Fernando Henrique conseguiu aprovar a emenda da reeleição – medidas cujos beneficiários foram eles próprios. O analista político Gaudêncio Torquato avalia que "o Brasil já se acostumou com leis transitórias e imediatistas". Mas adverte: "Essas mudanças têm conseqüências desgastantes. Elas dão à política um caráter de improvisação que enfraquece as instituições".