Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 28, 2006

ZUENIR VENTURA Estação purgatório

O GLOBO

Não há nada mais previsível no Rio do que o verão, que deslumbra com seu esplendor e irrita com suas mazelas. Tudo é esperado, mas mesmo assim acontece um festival de imprevidências em que até o calor da estação é como se fosse novidade. Medidas de precaução não são tomadas e as autoridades são sempre apanhadas de surpresa. E isso não é de agora. Na seção “Há 50 anos”, aqui do GLOBO, pôde-se ler essa semana queixa do escritor José Lins do Rego em sua coluna. Depois de elogiar os flamboyants e acácias dando “cores de paraíso à Terra”, ele denuncia o descaso e o “crime dos poderes públicos” contra a Lagoa Rodrigo de Freitas: “A nossa pobre lagoa padece as mais terríveis humilhações.” Parece que foi hoje, não?

Fico imaginando sua indignação se visse não apenas a Lagoa, mas as praias sujas, o mar poluído, as gigogas boiando nas ondas de Copacabana e Ipanema, brigas e arrastões, os assaltos, o caos no trânsito, a bandalha das vans e as promessas repetidas de que providências serão tomadas. Sem falar na velha dengue, conhecida vilã de vários verões, atacando de novo e ameaçando passar de surto a epidemia.

Ainda por cima, para completar, os raios ultravioleta resolveram neste verão, o mais quente dos últimos anos, atingir níveis extremos de radiação, levando muitas pessoas com queimaduras provocadas por bronzeadores aos hospitais, alguns funcionando sem refrigeração. Só o Souza Aguiar deixou de realizar dez das 14 cirurgias marcadas num dia por causa do ar-condicionado enguiçado (embora não tivesse faltado ar para refrigerar a visita que o ministro da Saúde fez ao hospital).

Oscilando entre pesares e prazeres, o alto verão carioca às vezes lembra o paraíso, às vezes o inferno, mas talvez seja mesmo, conforme canta Fernanda Abreu, o “purgatório da beleza e do caos” que fascina tanto os que nos visitam. Alguns estrangeiros custam a descobrir esse sortilégio; outros descobrem logo. A poetisa americana Elizabeth Bishop, quando desembarcou aqui em 1951 para uma escala, detestou: “Tudo tão sujo, tão desorganizado. Como é que conseguem viver aqui?” Apesar disso, ficou 15 anos seguidos.

Essa semana, 33 turistas ingleses se despediram da cidade, onde viveram uma das piores experiências para um viajante: logo após desembarcar, tiveram jóias, celulares, passaportes e U$ 190 mil levados num assalto. Mesmo assim, a maioria saiu prometendo recomendar a viagem aos amigos. “Nós amamos o Rio e não temos medo daqui, mas as autoridades deveriam estar mais preparadas”, disse um. Outro chegou a declarar: “Achei a cidade segura. Não tenho medo.”

Imaginem esse purgatório de beleza sem caos.

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