Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 30, 2006

FHC, um apagador de incêndio?



artigo - Miguel Jorge
O Estado de S. Paulo
30/1/2006

Atento aos volúveis formatos das nuvens, comparação que o velho senador mineiro Magalhães Pinto fazia da política, pois a cada vez que se olha para o céu elas estão de um jeito, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso talvez tenha de olhar as nuvens para dar o voto de Minerva, ou de desempate, na escolha do candidato tucano à sucessão presidencial. Adeptos de Geraldo Alckmin e de José Serra, aparentemente postulantes à indicação (um, certamente, pois assim já o declarou e tem agido como candidato a candidato, às claras e com transparência), já o teriam procurado para formular um pacto de não-agressão para pacificar eventuais embates entre ambos.

Fernando Henrique teria de usar dados "quase científicos", expressão do deputado federal Alberto Goldman (PSDB-SP), para livrar o partido de um problema se, realmente, Serra e Alckmin forem mesmo candidatos a candidato. As últimas pesquisas de intenção de voto não ajudam a decisão, embora continuem mostrando Serra à frente de Alckmin nas simulações de voto, enquanto enquete recente mostra que o último seria o preferido da bancada federal do PSDB.

Enquanto isso, o prefeito Serra mantém-se calado e se limita a cuidar dos problemas da cidade de São Paulo, o que vem fazendo com probidade e eficiência, refugando admitir o que todos comentam: que sua candidatura está posta, ao menos por parte do partido, apesar do compromisso escrito de completar sua gestão. Considerando as próximas manifestações dos seus pares, pois a escolha terá de ser o mais partidária possível, teria dito não ver proveito em precipitar uma decisão na qual terá maior peso a palavra do ex-presidente. Seria como uma noiva casar sem a bênção do padre.

Mas, se é válido o exemplo da noiva, Serra não está parado: prepara o enxoval revendo sua estratégia, incentiva seu vice, Gilberto Kassab (PFL), a mostrar a cara e cuida com afinco dos problemas do Município, graves e de solução difícil.

Em público, Alckmin e Serra se declaram companheiros de partido, amigos diletos, social-democratas e adeptos da economia de mercado - claro, seria nocivo um conflito em torno de promessas ou um embate que, para atrair a benevolência do PFL, cujo apoio disputam, obscurecesse mesmo de leve o conteúdo programático do PSDB. Alckmin até declarou que, escolhido outro candidato, diria, disciplinado, para trabalhar na campanha: "O soldado Alckmin se apresenta!"

Entretanto, apesar do esforço para camuflar eventuais arestas, o momento político e pré-eleitoral exige perspicácia e sensibilidade, pois o adversário a ser batido é ninguém menos - não obstante a tergiversação do principal interessado - que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Muitos se enganam ao pensar que o presidente é um neófito. Não é neófito, e política, diria Magalhães Pinto, é como as nuvens. Protelando até março a definição sobre se sai ou não candidato (alguém duvida de que ele o será?), ganha o tempo necessário para se beneficiar do cansaço da opinião pública sobre as CPIs, denúncias de corrupção e até de um possível racha nas hostes tucanas. Tudo isso serviria para anunciar o que todos prevêem: que é candidatíssimo. (A última pesquisa mostra que o presidente começa a se recuperar, embora não haja nenhuma indicação sobre até onde essa recuperação possa ir.)

Prematuro, pois, fazer previsões: a lista de exigências que Lula apresentou ao PT para disputar a reeleição seria, portanto, presume-se, uma prova da astúcia com que o presidente costuma tratar a cúpula do seu partido e de sua estratégia de se ir devagar para que, na ocasião aprazada, seus adeptos venham procurá-lo.

Nessa areia movediça, o prefeito e o governador buscam a bênção de Fernando Henrique, em cuja mesa, nos próximos dois meses, pousarão resultados de um pacote nacional de pesquisas eleitorais encomendado pelo PSDB para avaliar as reais possibilidades de cada um na eleição. Com base nesses dados, em consultas a lideranças do partido e com sua experiência, o ex-presidente avaliará as atitudes de quem quer a indicação, as perspectivas da campanha, os anseios da sociedade, dos setores econômicos, dos movimentos sociais, etc. E ninguém melhor do que ele para fazê-lo.

O PSDB, conforme as pesquisas eleitorais, teria chances, hoje, de voltar ao governo, à luz do desmoronamento da máquina política do PT. Mas a tarefa do ex-presidente transcende a do árbitro que dará a palavra final na disputa sobre quem será o candidato, pois a ele caberá também disciplinar as hostes do perdedor, fazendo-as entenderem que será vital para o tucanato manter suas formas unidas para que o escolhido tenha chances de vitória contra Lula. O PSDB não quer repetir o erro que cometeu na última eleição presidencial, quando seu candidato, o atual prefeito José Serra, teve de enfrentar, além do franco favoritismo do adversário Lula, a má vontade de alguns companheiros tucanos que se ressentiram de sua sagração como candidato do partido.

É nisso que repousa o risco de a decisão ser tomada ainda no primeiro trimestre deste ano: uma coisa é ter sabedoria para tomar a mais acertada e outra é ter sabedoria para fazer com que essa decisão seja integralmente aceita.

Pondo de lado as pesquisas Ibope e Datafolha, nas quais o prefeito aparece na liderança da corrida sucessória, mesmo ante a candidatura de Lula à reeleição - Serra o bateria no primeiro turno -, FHC talvez tenha de contrariar todos esquemas do Olimpo tucano, armado em favor de cada um dos postulantes.

Inteligente como, à exaustão, já provou sê-lo, ou não teria sido presidente, e com um sentido de permanência inspirado no gosto pelo poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deixaria de aproveitar as sobras da disputa entre o prefeito e o governador.

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