Supersuperávit
A dívida externa sumiu. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, estava ontem com uma sensação de que perdeu tempo na vida. “Eu fico possesso. Gastei tanto tempo profissional trabalhando com dívida externa, renegociação, comitê de credores e olhe agora a dívida: é de 2,6% do PIB”, brinca. A dívida interna, em compensação, consumiu uma montanha de dinheiro para ficar no mesmo lugar.
Quem viveu os anos 80 sabe que a dívida externa era tida e havida como impagável. Agora a dívida externa líquida do setor público como proporção do PIB é mínima. As reservas aumentaram e os papagaios foram sendo pagos. Já a dívida interna continua grande e pesada. Altamir Lopes acha que, apesar disso, há algo a comemorar:
— Num ano em que houve uma política monetária muito mais rigorosa, ela ficou estabilizada. Saiu de 51,7% do PIB para 51,6% do PIB.
Há várias formas de fazer as contas. Esta, na qual a dívida fica estabilizada, é a líquida. A dívida bruta, que não desconta as reservas, aumentou três pontos percentuais do PIB, uma enormidade. Saiu de 71,9% do PIB para 74,9%.
Esse número não é muito usado pois produz uma pequena distorção: conta dívida que não é divida ainda. O Tesouro emite título que deixa em carteira do BC, mas que só vira dívida quando o título é vendido ao mercado. Na dívida bruta, essa carteira entra. Altamir lembra também que ela cresceu no ano passado, mas ainda está abaixo do que era em 2003, quando foi de 76,9%. Não consola. Essa forma de olhar a dívida mostra claramente o custo de ter pago, em média, 19,05% de juros contra 16,25% no ano anterior. O aumento em termos nominais é gigantesco: o país pagou R$ 29 bilhões a mais de juros pela elevação da Selic. Em proporção do PIB, a conta saiu de 7,23% para 8,13% do PIB. O custo extra seria normal num momento de crise, mas fica difícil de entender e aceitar isso num ano sem crise, com o mundo crescendo, os indicadores melhorando, o ajuste externo feito, como 2005.
Mas contas públicas são tema mais complexo do que parece em certas avaliações. O supersuperávit não é “culpa do Palocci”, como dizem alguns dos companheiros do ministro da Fazenda. Os dados mostram que o custo da dívida é alto, que o governo continua aumentando a arrecadação, que há alguns sinais a comemorar de controle das contas, mas existem indícios perigosos de que o Estado brasileiro continua gastando demais. Isso é insustentável.
O economista Fábio Giambiagi, do Ipea, que vive de olho nesses números, diz que a despesa primária aumentou em proporção do PIB mais do que a receita. E também na variação real: o aumento das despesas foi de 10,2%. Que a despesa de INSS aumentou 8,6% (veja no gráfico).
— Está na hora de se discutir o que este país quer, afinal — protesta Giambiagi.
Altamir Lopes vê notícia boa na área fiscal nos dados divulgados ontem. Em todas as instâncias de governo, o resultado foi além da meta. Estados e municípios economizaram R$ 4 bilhões a mais do que em 2004:
— Os dados mostram que a Lei de Responsabilidade Fiscal pegou. Há mais consciência fiscal. Em 98, os estados estavam com déficit de R$ 1,7 bilhão. De lá para cá, tiveram um superávit crescente e terminaram o ano passado com um resultado positivo de R$ 21,3 bilhões — comenta.
É bem verdade que foi mais fácil para os estados e municípios porque eles receberam mais dinheiro do governo federal. A União tem que dividir com eles parte de alguns impostos, como Imposto de Renda. O IR das empresas aumentou muito pela elevação dos lucros. Além disso, divide os dividendos e royalties . Mas aqui todo cuidado é pouco pois lucro é aquilo que hoje dá, amanhã não dá. Perigoso se fiar em dividendos para exibir superávit. No ano passado, o governo transferiu para estados e municípios R$ 83,9 bilhões, um aumento de R$ 16,3 bilhões em relação a 2004.
O governo arrecadou mais pelo aumento do lucro das empresas e da carga tributária. Em 2004, a carga de impostos federais foi de 19,1% do PIB; no ano passado, foi de 20,3%.
— A receita do governo federal mostra que houve alguma elevação de carga — disse Altamir Lopes.
Quem já viveu bastante, viu a dívida externa assombrar o Brasil e depois ir desaparecendo até virar estes 2,6% do PIB; mas será que verá o outro fantasma, a dívida interna, deixar de ser um problema? Tem gente que acha que ela vai cair nos próximos anos até deixar de ser um constrangimento. Para isso acontecer, será preciso mais do que baixar juros. Será necessário manter superávits altos por vários anos e reduzir gastos. Gastos que cresceram no ano passado.
NA COLUNA de domingo, dissemos que o PT se comprometeu a entregar R$ 10 bilhões ao PL. Era, óbvio, milhões.