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Volta e meia recebo queixas no campo político por ser cético, por não pregar esperança, por faltar com a tal crítica construtiva, etc. Ataco a social-democracia tucano-petista, que ignora aspectos fundamentais da economia moderna, e escrevo apenas pontualmente sobre figuras de outros partidos, até para não perder tempo com tal gentalha, os oligarcas e aventureiros que povoam ou desejam Brasília. Não caio no conto da maturidade democrática nacional, e tampouco acredito que a origem social ou regional de um político indique sua qualificação ou desqualificação. Num país onde as pessoas se dividem entre o "Fora Bush" e o "Fora Lula", defendo o "Fora Bush" e o "Fora Lula", pois os dois mentiram gravemente para suas sociedades. Não gosto da esquerda (ex-socialista), que é limitada e hipócrita, nem da direita (ex-fascista), que é autoritária e preconceituosa; e quando um político diz que é de centro ou "liberal", pode apostar que ele não sabe o que pensa sobre as coisas.
Mas é injusto dizer que não falo em soluções. Cedo aprendi que os que posam de anti-Brasil não conseguem pensar em quase nada além do Brasil. O Brasil não é nem a oitava maravilha do mundo que quase todos dizem, nem o país imprestável que esses poucos acham e, em muitos momentos, ambas as turmas pensam. Sendo assim, venho oferecer um mote de campanha que tem grandes chances de eleger o próximo presidente, seja ele quem for. Não há Duda Mendonça que possa batê-lo - com a vantagem adicional, considerável, de que não cobrarei nada. É um slogan simples, universal, e o melhor de tudo: está na agenda da sociedade. É a receita que milhares de estudos acadêmicos sobre a história do Brasil tentam encontrar, perdidos no cipoal de palavras e no lamaçal de atos.
MENOS IMPOSTOS, MAIS EDUCAÇÃO - eis o que deve propor um futuro estadista neste momento da vida nacional, diante da pasmaceira e indecência gerais.
Por baixo dessas duas linhas, claro, há um novelo de problemas a resolver. Só que o problema dos políticos é o oposto dos atores: é ter o que comunicar, não comunicar o que tem. Dizendo que vai reduzir os tributos, o candidato vai propor uma transformação no ambiente de negócios brasileiro. Diminuição da burocracia, mais facilidade para contratar, corte dos gastos públicos obrigatórios, combate à corrupção - tudo que for necessário para impulsionar os empreendedores vai poder ser feito. E dizendo que quer ampliar a educação, vai apontar para a obrigação do Estado de prestar serviços sociais de qualidade, melhorando também o acesso à saúde, a distribuição fundiária, a pesquisa tecnológica, etc. Vai poder fazer um grande programa de melhora do ensino em todos os níveis, inclusive com mudanças de conteúdo, e ampliar o acesso à escola média (ou técnica), gargalo maior do sistema.
O essencial é não ficar mostrando mais que duas prioridades. Qualquer pessoa com QI mediano sabe que o Brasil não precisa de uma reforma, mas de várias: previdenciária, judiciária, política, administrativa, etc. Logo, se o candidato tem a intenção de colocar o País no rumo certo, teria de defender uma revisão da Constituição de 1988, vértice de muitas tormentas atuais. Mas não há espaço na política e na sociedade para uma parada como essa. Além disso, todos os programas de governo dizem a mesma coisa, como se viu em 2002. Só a bandeira "menos impostos, mais educação" pode aportar em território novo. Só ela é capaz de encontrar eco nos cantos mais dispersos da nação, nas camadas mais díspares da sociedade. Ninguém agüenta mais pagar impostos, e todo mundo sente vergonha da qualidade da educação brasileira.
Esqueça o chavão de que faltam "idéias novas" no Brasil. Esqueça milagres no câmbio, nos juros, nas bolsas sociais ou onde quer que seja. Diminuir a carga tributária e aumentar o conhecimento é simplesmente fazer o contrário de tudo que tem sido feito no Brasil até agora, pelos governantes das mais variadas tendências e formações. É, portanto, o gesto mais anticonservador possível. Não é o meio-termo no qual se esconde a indecisão conveniente que costuma mandar no Brasil; não é a retórica da "conciliação" vigente de dom Pedro II a Lula. Como diz Maquiavel em seu clássico, " os príncipes irresolutos, para fugir aos perigos presentes, seguem na maioria das vezes o caminho da neutralidade e, geralmente, caem em ruína". O que falta é clareza na ação.
Você, leitor, dirá que é preciso aparecer o grupo de homens que faça desse mote um governo. Que dei a receita, mas não tenho o médico, que está longe de ser Palocci ou outro JK. Está vendo? Toda crítica é destrutiva; se exalta seu objeto, destrói por oposição todos os outros.
CADERNOS DO CINEMA
Fiquei um pouco decepcionado com A Marcha dos Pingüins, de Luc Jacquet, o mesmo de Microcosmo, em que a natureza parecia filmada em estúdio. O documentário é bonito, a história fascinante. Mas o defeito apontado por muitos, a "antropomorfização", a sugestão de semelhanças com o comportamento humano, não é menor. Há um excesso de recursos nesse sentido - trilha incidental, texto que fala em "magia", etc. - e uma escassez de informações. Em alguns momentos, o que vemos é exatamente o oposto do que é dito, como quando um dos filhotes morre e o filme tenta dar um drama à cena; mesmo a solidariedade apontada pelo sacrifício coletivo em nome da vida contra o frio é negada pelo abandono dos desgarrados e pelo roubo de filhotes. Ao contrário do que alguns disseram - pois não haveria "motivo" para viajar tanto para procriar -, tudo isso é Darwin puro. Mas o mais grave mesmo é ilustrar sonoramente o tombo de um pingüim para que a platéia ria como se fosse de um vizinho. Uma das diferenças da espécie humana é que seus indivíduos sentem vergonha dos outros quando caem. O pingüim não está nem aí...
O LAGO E O ERUDITO
Recebi algumas correspondências muito interessantes sobre o assunto da semana passada, que é esse mesmo da natureza e da cultura. Michel Altit nota que "o enciclopedismo e a disposição de digerir o cânone ocidental de uma só vez por escritores e intelectuais de origem judaica, originários da Europa central (Alemanha e Áustria-Hungria) em meados do século 19 e início do século 20", se explica como uma estratégia de integração à sociedade alemã - daí o sentimento de decepção com o nazismo e a reação da Igreja a ele. Maria Elisa Bittencourt conta que acabou de ler uma biografia de Catarina, a Grande, e que era Diderot que passeava com ela em Peterhof e não Voltaire, o qual apenas se correspondeu com ela. Diz ainda que Diderot percebeu que ela era "picareta", pois "de déspota esclarecida não tinha nada".
RODAPÉ
Ficou um objeto muito bonito o livro Moda, Roupa e Tempo - Drummond Selecionado por Ronaldo Fraga, lançado na São Paulo Fashion Week, que minha mulher comprou numa livraria Laselva. O estilista de tecidos escolheu textos do estilista do idioma que tratam de moda e corpo, como os famosos Eu, Etiqueta e A Bunda, Que Engraçada, entre outros menos diretos. Os desenhos, quase todos a caneta esferográfica, são bonitos, com certo sabor art déco, e a produção é surpreendente, incluindo vários tipos de papel. Drummond ironizava o consumismo e não sei se gostaria de ver as passarelas cada vez mais tomadas por meninas que parecem passarinhos, de tão novinhas e magricelas. Mas estava sempre atento à infinita criatividade feminina para seduzir.
DE LA MUSIQUE
O leitor Márcio Cenzi me chamou a atenção para um CD de K.D. Lang, Hymns of the 49th Parallel, lançado originalmente em 2004. Realmente é uma beleza. Ela canta músicas de compositores canadenses como Neil Young (After the Gold Rush), Joni Mitchell (A Case of You) e Leonard Cohen (Hallelujah), para citar exemplo dos três mais famosos. É um disco de luz invernal, cinza-azulada, para ser ouvido de pouco em pouco.
A gravadora Guanabara está fazendo grande trabalho com a mais fina das tradições da música brasileira, a bossa nova abordada de modo jazzístico. No CD Luiza, especialmente na faixa-título e em Se Todos Fossem Iguais a Você, a cantora Barbara Casini e um excelente quarteto italiano confirmam a frase de Tim Maia contada por Nelson Motta outro dia: "Com os acordes que Tom Jobim usa em uma canção, eu faço 80!" Batida Diferente, de Durval Ferreira, Mais Um Som, de Johnny Alf e quinteto, e Agora Sim!, do Sambajazz Trio, também são excelentes. Servem a aparente suavidade da bossa nova numa cozinha infernal.
POR QUE NÃO ME UFANO
Quem diria. Lula, no início do governo, se gabava de ser - ou querer ser - o elo de ligação entre Davos e o Fórum Social e esteve em ambos. Agora não foi a nenhum. E pior: ninguém deu por falta. É o elo perdido.
Aforismos sem juízo
Nada mais velho do que jornal de amanhã.