Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 03, 2006

EDITORIAL DE O GLOBO

Voto equivocado

Omovimento é perceptível na internet, em seções de cartas de leitores na mídia impressa e freqüenta rodas de conversas de fim de semana. Mas antes que cresça e se transforme numa onda, é imperioso alertar para o erro de se considerar o voto nulo uma proposta conseqüente para as eleições deste ano. Não é e, pior, produzirá efeitos contrários àqueles que imaginam os defensores do protesto.

É compreensível o mau humor do eleitorado. Conjugam-se vários fatores para criar esse clima de irritação com a política e o político: a queda da máscara da pureza ética do PT, as manobras feitas no melhor estilo da politicalha para levar o chefe do baixo clero — o que de pior existe na vida parlamentar — Severino Cavalcanti, a presidir a Câmara e a ser o terceiro nome na sucessão da República; e agora essa autoconvocação milionária sem que a grande maioria dos congressistas sequer compareça a Brasília, o que não os impedirá de receber um gordo contracheque extra pago pelo contribuinte.

Mas é exatamente pelo exercício do voto, e não pela renúncia a ele, que se combate esse estado de coisas, e se pode melhorar a qualidade da vida político-partidária. Anular o voto é abrir novos espaços no Congresso para a demagogia e o populismo, porque os demagogos e populistas se elegerão mais facilmente, por contarem com a ajuda de currais eleitorais e de votos de cabresto, imunes a qualquer campanha de protesto forjada nas classes média e alta, nos segmentos mais informados da sociedade.

Também não fazem qualquer sentido comparações com o voto nulo defendido entre o final da década de 60 e o início dos anos 70. Aquele foi um "não" à ditadura. Somente quando o sentimento pela volta à democracia se consubstanciou na votação maciça no então MDB, em 1974, é que se estabeleceu uma base política na oposição, com grande representatividade, para que Golbery, com o respaldo de Geisel, pudesse negociar, com interlocutores legítimos, a transição a mais pacífica possível para a volta ao estado de direito.

Degradar o Congresso só fará piorar a qualidade da vida política, e tornar ainda mais difíceis, senão impossíveis, as mudanças na legislação para que severinos, delúbios e valérios fiquem segregados no passado. O voto nulo é erro histórico grave.

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