Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 21, 2006

Editorial de O Estado de S Paulo

As últimas dos tres hermanos

Foi um resultado e tanto, para uma conversa de menos de um dia. Os presidentes do Brasil, da Argentinae da Venezuela decidiram estudar a criação deumBanco do Sul, reafirmaram adisposição de construir um gasoduto de 7 mil quilômetros, com investimento de uns US$ 20 bilhões, e discutirama formação de um Conselho de Defesa daAmérica do Sul, na versão mais moderada, ou deumequivalente sul-americanoda Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), segundo a descrição muito mais empolgada do presidente venezuelano, Hugo Chávez. O dispositivo bélico não aparece no comunicado oficial distribuído algumas horas depois do encontro, talvez por não se haver encontrado umaforma de explicar aos cidadãos sul-americanos e ao distinto público em geral quem seria o provável inimigo.

A idéia mais nova, mas não menos bombástica, é a do gasoduto. Nasceu de um entendimento, há alguns meses, entre o presidente argentino, Néstor Kirchner, e o da Venezuela,Hugo Chávez. Seria preciso envolver o Brasil, de alguma forma, pelo menos por ser o território brasileiro o caminho mais curto entre as fontes venezuelanas e os consumidores argentinos. Além do mais, é bom dividir os custos. Mas a idéia vale uma boa análise. Apesar do enorme investimento necessário, pode ser uma iniciativa útil à integração física da região. Não é assunto, no entanto, para se resolver às pressas e apenas com base numa inspiração política.

A proposta de um banco sul-americano já não é novidade. Mas criar essa instituição apenas para concorrer com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ecomo Banco Mundial (Bird) pode ser uma enorme tolice. É grande, nos dois, o peso dos Estados Unidos, maior acionista,masisso não é umbomargumento para a formação de uma nova entidade financeira. Além disso, Brasil e Argentina são acionistas da Corporação Andina de Fomento (CAF). Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela são os acionistas rincipais, por serem membros da Comunidade Andina de Nações (CAN).

Nada impede, em princípio, a participação da CAF em projetos mais ambiciosos de integração regional e essa possibilidade já tem sido examinada.Ofortalecimento e a ampliação do campo dessa entidade parecem fazer mais sentido que destinar grandes somas de recursos a umnovo banco regional.

Depois, com ou sem Estados Unidos, qualquer entidade financiadora só pode sobreviver e prestar serviços por longo tempo se operar com base em regras de prudência. Mesmo abandonando algumas limitações impostas ao BID e ao Bird, um banco regional não pode emprestar dinheiro sem levar em conta as condições de solvência e as perspectivas de retorno dos investimentos financiados.

Também não é assunto para decisão baseada apenas em grandes visões políticas. Muito menos se deve criar um banco de desenvolvimento com o objetivo principal de mostrar a língua aos imperialistas.

A mais velha das grandes idéias discutidas pelos tres hermanos é a da criação de uma entidade – conselho ou força – destinada a cuidar da segurança regional. No tempo das ditadurasmilitares,circulou entre brasileiros, argentinos e uruguaios a proposta deumaOrganização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), concebida, pelomenos na denominação, como espelho da OTAN. Foram cometidos muitos erros naqueles tempos. Esse, pelo menos, não chegou a concretizar-se.

A reunião dos tres hermanos evidenciou, mais uma vez, o protagonismo – para usar uma palavra muito ao gosto dos políticos sulamericanos – do presidente Hugo Chávez. Diante da passividade do colega brasileiro, o presidente venezuelanoocupou a frente do palco e novamente, quebrando o protocolo, manifestou publicamente seu antiamericanismo. Se não se cuidar, o presidente Lula acabará sendo forçado a enfrentar um inimigo escolhido por outro. O resto do comunicado é, na maior parte, mera exibição da costumeira retórica latinoamericana. Parte dessa retórica beira o ininteligível. Ospresidentes, segundo o texto, "reafirmaram a necessidade de apoiar a articulação de redes de atores sociais como mecanismo de integração, através de processos de complementação horizontal para uma verdadeira transformação econômica". Decifre quem puder, se estiver disposto a gastar tempo com isso.

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