Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 15, 2008

Que inflação é essa?



Artigo 0- Ilan Goldfajn
O Globo
15/7/2008

Parece que o cargo de ex-diretor do Banco Central é vitalício. Pelo menos se depender da quantidade de questionamentos sobre a inflação que tenho recebido nas últimas semanas: "Por que está tudo mais caro no supermercado?" "O governo vai fazer alguma coisa?"

Resolvi escrever e oferecer respostas a algumas perguntas que andam circulando por aí:

1. Qual é a situação da inflação no Brasil? O pior já passou?

A inflação tem acelerado, mas espera-se que recue para a frente. O IPCA (medida de inflação oficial) acumulou 6%, nos últimos 12 meses, e acelerou para 7,5%, no primeiro semestre. Os analistas esperam um recuo lento da inflação ao longo do próximo ano e meio, com 2008 fechando em algo entre 6,5-7%, e 4,5-5,5%, em 2009. Não há garantias que o pior já passou, apenas há a expectativa (ainda não fundamentada) de que o choque inflacionário tenha chegado ao seu limite, e confiança no combate à inflação pelo Banco Central.

2. A inflação é "só" dos alimentos, ou do "feijãozinho", como disse o ministro da Fazenda?

Não. Nem seria boa notícia se o fosse. Além do fato de os alimentos afetarem desproporcionalmente os mais pobres (que gastam mais da sua renda com alimentos), há a idéia errônea de que a inflação, quando concentrada em alimentos, é temporária e vai voltar naturalmente. Não é o caso na atual situação. O que está ocorrendo é mais do que uma infelicidade climática que atingiu alguns alimentos. Está havendo uma mudança estrutural no mundo (e no Brasil), na qual o preço dos alimentos vai ter que ficar mais alto em relação ao resto dos produtos e serviços devido a uma boa notícia: há mais gente se alimentando melhor, especialmente na Índia e na China, mas também no Brasil.

3. A inflação atual é um fenômeno mundial e não há muita coisa que o Brasil possa fazer?

É um auto-engano acreditar que o aumento recente de inflação é "apenas" um fenômeno mundial, e que não haveria nada a fazer contra isso. Na verdade, cada país tem sua responsabilidade na inflação global. No Brasil, as vendas crescem acima da produção já faz um bom tempo. Mesmo que a inflação fosse puramente global, o combate à inflação nos países não deve ignorar o que vem de fora. A perda de poder de compra gerado pelo choque inflacionário pode desencadear pedidos para aumentos salariais compensatórios, facilmente conseguidos nesse ambiente de desemprego em queda, o que aumentaria os custos das empresas, incentivaria ainda mais o consumo e pressionaria a inflação. Uma espiral salários-preços acabaria sendo prejudicial para todos. Interromper essa possível espiral, além de contribuir para que parte dos aumentos de insumos lá fora não seja repassada integralmente, é um objetivo primordial para o Banco Central do Brasil.

4. Há riscos da volta da indexação no Brasil?

Não acredito que estejamos perto da indexação que alimentava a alta inflação de décadas atrás. Houve muito avanço no passado recente, inclusive na aversão da sociedade à volta da inflação. Hoje em dia pode até haver uma busca momentânea de recomposição de perdas de renda devido à inflação, permitida pela situação econômica favorável no Brasil. Mas isso não vai levar à volta das taxas de inflação do passado, mas sim a um combate mais custoso para levar a inflação à sua meta.

5. Como o surto de inflação vai terminar?

Uma possibilidade é a desaceleração global já estar a caminho. Mas, até o momento, a desaceleração nos EUA não foi suficiente para debelar a inflação global. Uma outra possibilidade é o Fed, banco central americano, voltar a subir os juros e, implicitamente, coordenar um combate global à inflação. Os atuais problemas financeiros e econômicos nos EUA parecem descartar essa solução no momento. Finalmente, sobra a possibilidade que os próprios países administrem por conta própria uma desaceleração para combater a inflação. No Brasil, o Banco Central tem agido mais rápido que no resto do mundo. Talvez devido ao nosso histórico inflacionário, já que o atual surto tem incomodado bastante. Pelo menos se fosse medir pelo número de perguntas aos ex-diretores do Bacen.

P. S.: O título foi emprestado de artigo de E. Bacha, JB, 22/06/1988.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.

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