Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 05, 2008

A molécula que é a grande esperança contra o câncer

O nome da esperança é TNP-470

O aprimoramento de uma molécula criada há quase
vinte anos revigora uma das frentes contra o câncer


Anna Paula Buchalla

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Pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, anunciaram o desenvolvimento de um medicamento oral com o poder de combater diversos tipos de câncer – alguns deles bastante comuns, como os de mama, próstata e ovário. Batizado de lodamina, sua molécula, a TNP-470, foi criada há quase vinte anos. Desde então, a equipe de Harvard vem tentando aprimorá-la. Com os avanços da nanotecnologia, a área da ciência que trabalha em escala infinitesimal, os médicos conseguiram encapsular a TNP-470 em um invólucro de polímeros que passa intacto pelo trato gástrico e age diretamente no tumor, sem causar efeitos colaterais – é a esse conjunto que se deu o nome de lodamina. Ainda restrita a ratos de laboratório, a experiência bem-sucedida com o remédio foi publicada na revista científica Nature Biotechnology. Por preservar as células sadias de seu ataque, ele pode, inclusive, vir a demonstrar-se útil na prevenção do câncer em pacientes de alto risco para a doença (como aqueles que têm histórico familiar ruim). Vencida a fase experimental com ratinhos, os ensaios clínicos em humanos devem começar em breve.

Para crescer, um tumor maligno necessita de uma rede de vasos sanguíneos que o alimente, em um processo conhecido como angiogênese. Uma vez estabelecida a vascularização do tumor, a doença progride e as células cancerosas proliferam e avançam em direção a outros órgãos. "Elas comportam-se exatamente como organismos unicelulares primitivos. Dê-lhes alimento e oxigênio ilimitados (...) e elas viverão para sempre. O ‘relógio’ delas está perpetuamente zerado: não envelhecem nem morrem", descreve o biólogo americano William Clark no livro Sexo e as Origens da Morte. Matar o tumor de fome é justamente a estratégia da lodamina (veja quadro). O remédio impede a formação da malha anômala de vasos sanguíneos que nutre o câncer. Os ratos tratados com a nova substância, além de se livrarem do câncer, não apresentaram metástase de fígado, uma complicação comum a diversos tipos de tumor. "O fígado dos ratos que receberam o remédio estava limpo", afirmou a pesquisadora Ofra Benny. "Já nos bichos sem o medicamento, o fígado havia praticamente se transformado em uma massa tumoral."

O aprimoramento da lodamina foi um dos últimos trabalhos dos quais o médico americano Judah Folkman, autor da teoria da antiangiogênese, participou. Ele morreu em janeiro passado, aos 74 anos, vítima de infarto. A molécula TNP-470 foi um dos primeiros inibidores da angiogênese a ser submetidos a testes clínicos. Nas experiências iniciais, ela já se mostrara capaz de combater uma série de tumores, inclusive as metástases. Os testes em animais foram suspensos no fim dos anos 90, em decorrência do surgimento de efeitos colaterais graves. A substância danificava o sistema neurológico, resultando em depressão severa e confusão mental. Além disso, o remédio era rapidamente absorvido e eliminado do organismo, o que exigia administração freqüente. A princípio, os dois problemas foram resolvidos.

A história da molécula TNP-470 é curiosa. Ao pesquisar uma cultura de células saudáveis dos vasos sanguíneos, um dos integrantes da equipe de Folkman, o médico Donald Ingber, notou que algumas delas, contaminadas por um fungo, não se reproduziam. A partir do fungo, chegou-se à criação da molécula. Em 1990, os pesquisadores de Harvard anunciaram o feito em um artigo na revista científica Nature. Até o anúncio da experiência com a lodamina, a vertente antiangiogênica parecia ter atingido seu limite – muito inferior à esperança que ela suscitou na década passada. Mas agora ela recobrou o fôlego. "Remédios originados de agentes biológicos, como foi o caso da penicilina, pareciam ser página virada na história da medicina. A lodamina vem provar o contrário", diz Bernardo Garicochea, diretor do serviço de oncologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Os inibidores da angiogênese disponíveis no mercado têm efeito restrito. Eles agem apenas contra uma das substâncias responsáveis pelo crescimento desordenado da malha de vasos sanguíneos ao redor do tumor, a proteína VEGF. Na pesquisa de Harvard, a lodamina revelou-se eficaz também contra outros promotores de crescimento tumoral. Uma das maiores dificuldades em combater o câncer está no fato de que um mesmo tipo de tumor se comporta de maneira diferente de uma pessoa para outra – o que torna os tratamentos medicamentosos um tanto imprevisíveis. "Por isso, é cedo para ficar eufórico com a notícia de Harvard. Mas é sempre bom saber que há mais um remédio no horizonte", diz o médico Paulo Hoff, diretor do centro de oncologia do Hospital Sírio-Libanês.

Genes que são ligados e desligados

A ciência já avançou muito nos conhecimentos de como um tumor progride e se desenvolve – e o atual arsenal anticâncer é uma prova disso. Mas ainda há um longo caminho a percorrer no desvendamento das alterações moleculares e genéticas que estão na base da formação de um tumor. Todos os tipos de câncer se originam de uma única célula defeituosa, que passa a se multiplicar descontroladamente. E a origem dessa imperfeição está nos genes. Apenas 10% dos pacientes, no entanto, herdaram uma mutação genética que os levou a ficar doentes. Os outros 90% dos casos são causados por genes impactados por fatores externos, sobretudo um estilo de vida composto de tabagismo, obesidade, sedentarismo, dietas desequilibradas e stress. Uma pesquisa comandada pelo médico Dean Ornish (autor de best-sellers sobre regimes com baixa ingestão de gordura), da Universidade da Califórnia, sinaliza a forma pela qual os hábitos saudáveis influenciam o funcionamento dos genes no núcleo das células.

A equipe de Ornish analisou o tecido da próstata de trinta pacientes com tumores iniciais e de progressão lenta, em dois momentos: antes e depois de um programa de três meses que incluía alimentação com 12% menos de gordura, uma média de 3,6 horas de exercício por semana e sessões de psicoterapia. Ao final, os médicos constataram que mais de 500 genes haviam sido alterados de maneira a favorecer o combate ao câncer. Alguns genes que propiciam o desenvolvimento de tumores, os oncogenes, foram "desligados", enquanto genes de proteção contra o câncer foram "ligados". A pesquisa de Ornish não é definitiva, mas abre um caminho para que se tente desvendar os mecanismos genéticos que resultam no aparecimento dos tumores.

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