por William Waack em 03 de Março de 2008 às 21:11
Difícil a situação do chanceler brasileiro Celso Amorim, que teve de explicar nesta segunda feira (3/3), ao vivo, o que o Brasil pensa do conflito (e merece ser chamado assim) envolvendo Colômbia, Equador, Venezuela e a narcoguerrilha das Farc. Antes de saber que o Equador rompera relações com a Colômbia, sugeriu que o presidente Alvaro Uribe pedisse desculpas ao colega Rafael Correa. É justo, e faz parte do correto diplomatiquês (esse idioma que fala muito e diz pouco).
O resto foram declarações típicas de profissionais de negociação bem treinados, com uma importante exceção – e que foi o momento da verdade. O ministro das Relações Exteriores brasileiro recusou-se a responder diretamente à boa pergunta colocada pelo repórter Carlos de Lannoy, da TV Globo de Brasília, que pediu que Celso Amorim dissesse, afinal, se o governo brasileiro achava positiva ou negativa a morte do segundo principal dirigente das Farc, Raul Reyes.
A chave para se entender o conflito é definir como cada um enxerga as Farc. Hugo Chávez já pediu que esse grupo armado recebesse o status de beligerante, por ser, na definição do presidente venezuelano, um Exército que ocupa território e tem objetivo político definido (derrubar o atual governo e instaurar uma república socialista). Chávez não vê as Farc apenas como simpatia; ele apóia esse grupo. Seu colega Rafael Correa parece ir na mesma direção – estranho é seu silêncio sobre o que as Farc faziam e como operavam a partir do território de seu país.
Grande parte da comunidade internacional enxerga as Farc como elas são: um grupo armado que se assenhorou do cultivo, refino e venda de cocaína, que pratica atos de terrorismo e sabotagem contra sucessivos governos democraticamente eleitos, e que ajuda ainda o caixa de campanha com seqüestros e extorsões. Nenhum país com apego ao estado de direito e regimes democráticos (e várias importantes potências mais, digamos, autoritárias, como China e Rússia) trata as Farc de outra maneira.
E onde está o Brasil? Não é nem em cima de um muro. É pior. É ATRÁS de um muro de mal disfarçadas simpatias ideológicas pelo grupo que comprovadamente tem com o Brasil profundas ligações com o crime organizado. Não era preciso nenhuma bola de cristal para se entender, meses atrás, que tipo de ameaça as Farc representavam para a segurança de vários países, inclusive o Brasil.
Nem é preciso ser amigo ou inimigo de Chávez (e Correa) para entender que a visão de mundo deles implicava acirrar um conflito que em nada nos interessa. Aliás, onde estão nossos interesses no meio desse conflito? Em tratar terroristas e narcotraficantes como “beligerantes?” Em ver como vizinhos importantes movimentam tropas nas fronteiras, rompem relações diplomáticas, criam tensões?
Notem que fatos como invasão de território alheio (a Colômbia atacando guerrilheiros no Equador), e o apoio material à guerrilha (que Chávez mal disfarça, e que documentos divulgados pelos colombianos – de autenticidade não comprovada – sugerem que possa ter incluído financiamento (apenas sugerem, reitero) são, em si, graves e relevantes do ponto de vista das relações (e do direito) internacionais.
É claro que o Equador tem o direito de reagir como reagiu à invasão de seu território, e que a Colômbia tem o direito do “hot pursuit” (o mesmo que permitiu a ação no Afeganistão contra Osama bin Laden) se está comprovado que é atacada a partir de território vizinho (e ninguém contesta esse fato).
Mas o que conta mesmo é como os países se posicionam diante das Farc. Enquanto os interesses maiores do Brasil estiverem subordinados à visão ideologizada de alguns formuladores de sua atual política externa, vamos ter, de fato, um chanceler que não é capaz de responder a perguntas. Especialmente as mais simples.
São as que contam.