Gosto de Fernando Gabeira (PV), que está fazendo uma frentona no Rio, na qual está o PSDB, para concorrer à Prefeitura. Ele tem uma atuação das mais respeitáveis na Câmara dos Deputados e é um político que sabe superar algumas “doxas” da vida pública. O seu ressurgimento na cena política no pós-exílio trouxe um discurso muito à frente do rame-rame bolorento em que se perdiam os esquerdistas que regressavam. Quando percebeu que sua militância voltada para questões de costumes tinha sido um tanto canibalizada por uma espécie de festança, reposicionou-se no mercado de idéias e passou a se comportar como um ótimo parlamentar de causas mais abrangentes. Gabeira nunca tratou o seu passado com nostalgia.
Pois bem. Dito isso, sou também tentado a saudar a sua candidatura à Prefeitura do Rio. Ele parece uma tábua de salvação, não é? Afinal, numa capital em que os dois primeiros colocados, apontavam as pesquisas, eram Wagner Montes e o tal bispo Crivella, Gabeira surge como a expressão da civilização. E o juízo não é apenas comparativo. Ele, com efeito, é uma pessoa civilizada.
Mas vamos devagar. Não existe política contra a política. Isso é só uma ilusão. Ou até existe, mas na versão maligna: o terrorismo. Isso que Gabeira parece ambicionar, que é a “antipolítica do bem” — porque, afinal, ele é um homem de bem — é completamente estranho ao jogo. E estranho continuará. Se vencer a disputa, não há como, lá vai um sujeito decente descumprir a sua palavra. Suas intenções parecem ser as melhores possíveis? Ah, não duvido. Diria mesmo que há em sua movimentação um quê de Obama branco. O que o torna “negro”, representando nessa palavra a sua condição um tanto alternativa e antiestablishment, é a preocupação com a ecologia, com as minorias, com a ética na política etc. Em suma, ele quer ser o candidato de um “movimento”. E sua palavra de ordem bem poderia ser “Change”.
Mas Gabeira também não consegue ser mais preciso do que Obama. Na sua entrevista de ontem (ver posts abaixo), prometeu “o renascimento da cidade” e o desenvolvimento capitalista do Rio, um capitalismo, claro, que respeite o meio ambiente e as “condições do trabalho”. Convenham: segundo parâmetros históricos e lógicos, seria preciso que houvesse alguma outra forma de fazer a cidade se desenvolver, que não o capitalismo, para que essa sua declaração fosse uma opção virtuosa. É inútil ser a favor da Lei da Gravidade. Ela não precisa dos nossos carinhos. Quanto a querer apenas o bom capitalismo... Bem, quem diria o contrário?
Mas, até aí, vá lá, estamos falando do lançamento de uma candidatura, que precisa de apelos publicitários também. Mas ele demonstra disposição de ser mais ousado. Disse ter imposto quatro condições para aceitar o desafio:
- não fazer oposição aos governos estadual e federal;
- fazer uma campanha sem sujar a cidade e agredir adversários;
- tornar disponíveis as contas da Prefeitura na Internet;
- não aceitar indicações políticas para ocupar cargos no governo.
Lançar as contas na Internet e não sujar a cidade, ok. As demais exigências... Não sei, não. Gabeira é um homem inteligente. Será mesmo que as outras propostas são assim tão progressistas? Não esconderiam uma certa demonização da política, com uma tentação que pode ser um tantinho reacionária? Políticos, muitas vezes, não fazem oposição porque querem, mas porque precisam.
Parece-me que vai nesse postulado a sugestão de que fazer oposição corresponde a prejudicar a vida dos cidadãos. Levado o primado a sério, a política se reduziria a uma manifestação meramente administrativa, quase cartorial, eu diria. Ademais, Gabeira pode ser inclusivo o quanto for, mas estará se relacionando com outros, que não partilham de seus mesmos valores.
Quanto a não aceitar indicações políticas... Sinceramente, não creio que ele consiga se eleito. Os partidos se organizam para disputar eleição com o objetivo de ocupar espaços na máquina pública — na expressão prática desse princípio, quando virtuosa, fazem-no para que possam implementar o seu programa. O desejável, é óbvio, é que sejam pessoas competentes, honestas, adequadas para o cargo. A escolha de indivíduos alheios às máquinas partidárias ou à vida política não torna, por si mesma, a administração melhor. Ao contrário: pode é travar a máquina. Mais: Gabeira precisará, como todo prefeito, da Câmara de Vereadores. E os vereadores têm seus pleitos, suas indicações, seus nomes etc.
Observem: não é só no Brasil que as coisas se dão dessa maneira, não. É assim em todo o mundo democrático. O grau de sem-vergonhice e de impunidade, por aqui, é que é maior. Não há nada de errado com o sistema ou com as regras — se elas forem aplicadas. Vejam o governador de Nova York. Ainda que ele não renuncie — é quase certo que vá fazê-lo —, sua vida política chegou ao fim. No Brasil, um caso semelhante conferiu aos convivas de uma casa da fuzarca a fama de garanhões — quando não, de conselheiros de República. Sim, há um tanto de traço cultural já tantas vezes investigado na nossa tolerância com a lambança. A mim me pareceria muito mais realista que Gabeira não fizesse tal promessa, aceitasse, se eleito, as indicações políticas, mas emprestasse a sua credibilidade à garantia de que agiria com rigor nos casos de desvios éticos.
Vejam: é a natureza do processo eleitoral e da democracia representativa que me diz que ninguém se elege imperador. Esse não é um cargo eletivo. Mesmo que fosse um monarca, como tentaria ser Gabeira, dos mais virtuosos. Suas “exigências”, pergunto-me, não fazem a política recuar para uma variante de personalismo, ainda que esclarecido?
Não tenho nenhuma simpatia pelo governo Lula — como se fosse necessário dizê-lo. Mas jamais vocês me viram aqui censurando-o por distribuir cargos a políticos da base aliada. Se incompetentes ou ladrões, bem, aí é outra coisa. Os desvios da administração Lula não decorrem da observância das práticas da democracia representativa, mas da inobservância de seus fundamentos éticos.
Ah, sim: Gabeira também quer levar o PT do Rio para a sua frentona. O partido, na cidade, é quase nada. Estaria, isto sim, é levando Lula para o seu palanque. A esta altura, companheiro, convenha, seria um sinal pouco auspicioso para quem demonstra tão grande ambição.
Pois bem. Dito isso, sou também tentado a saudar a sua candidatura à Prefeitura do Rio. Ele parece uma tábua de salvação, não é? Afinal, numa capital em que os dois primeiros colocados, apontavam as pesquisas, eram Wagner Montes e o tal bispo Crivella, Gabeira surge como a expressão da civilização. E o juízo não é apenas comparativo. Ele, com efeito, é uma pessoa civilizada.
Mas vamos devagar. Não existe política contra a política. Isso é só uma ilusão. Ou até existe, mas na versão maligna: o terrorismo. Isso que Gabeira parece ambicionar, que é a “antipolítica do bem” — porque, afinal, ele é um homem de bem — é completamente estranho ao jogo. E estranho continuará. Se vencer a disputa, não há como, lá vai um sujeito decente descumprir a sua palavra. Suas intenções parecem ser as melhores possíveis? Ah, não duvido. Diria mesmo que há em sua movimentação um quê de Obama branco. O que o torna “negro”, representando nessa palavra a sua condição um tanto alternativa e antiestablishment, é a preocupação com a ecologia, com as minorias, com a ética na política etc. Em suma, ele quer ser o candidato de um “movimento”. E sua palavra de ordem bem poderia ser “Change”.
Mas Gabeira também não consegue ser mais preciso do que Obama. Na sua entrevista de ontem (ver posts abaixo), prometeu “o renascimento da cidade” e o desenvolvimento capitalista do Rio, um capitalismo, claro, que respeite o meio ambiente e as “condições do trabalho”. Convenham: segundo parâmetros históricos e lógicos, seria preciso que houvesse alguma outra forma de fazer a cidade se desenvolver, que não o capitalismo, para que essa sua declaração fosse uma opção virtuosa. É inútil ser a favor da Lei da Gravidade. Ela não precisa dos nossos carinhos. Quanto a querer apenas o bom capitalismo... Bem, quem diria o contrário?
Mas, até aí, vá lá, estamos falando do lançamento de uma candidatura, que precisa de apelos publicitários também. Mas ele demonstra disposição de ser mais ousado. Disse ter imposto quatro condições para aceitar o desafio:
- não fazer oposição aos governos estadual e federal;
- fazer uma campanha sem sujar a cidade e agredir adversários;
- tornar disponíveis as contas da Prefeitura na Internet;
- não aceitar indicações políticas para ocupar cargos no governo.
Lançar as contas na Internet e não sujar a cidade, ok. As demais exigências... Não sei, não. Gabeira é um homem inteligente. Será mesmo que as outras propostas são assim tão progressistas? Não esconderiam uma certa demonização da política, com uma tentação que pode ser um tantinho reacionária? Políticos, muitas vezes, não fazem oposição porque querem, mas porque precisam.
Parece-me que vai nesse postulado a sugestão de que fazer oposição corresponde a prejudicar a vida dos cidadãos. Levado o primado a sério, a política se reduziria a uma manifestação meramente administrativa, quase cartorial, eu diria. Ademais, Gabeira pode ser inclusivo o quanto for, mas estará se relacionando com outros, que não partilham de seus mesmos valores.
Quanto a não aceitar indicações políticas... Sinceramente, não creio que ele consiga se eleito. Os partidos se organizam para disputar eleição com o objetivo de ocupar espaços na máquina pública — na expressão prática desse princípio, quando virtuosa, fazem-no para que possam implementar o seu programa. O desejável, é óbvio, é que sejam pessoas competentes, honestas, adequadas para o cargo. A escolha de indivíduos alheios às máquinas partidárias ou à vida política não torna, por si mesma, a administração melhor. Ao contrário: pode é travar a máquina. Mais: Gabeira precisará, como todo prefeito, da Câmara de Vereadores. E os vereadores têm seus pleitos, suas indicações, seus nomes etc.
Observem: não é só no Brasil que as coisas se dão dessa maneira, não. É assim em todo o mundo democrático. O grau de sem-vergonhice e de impunidade, por aqui, é que é maior. Não há nada de errado com o sistema ou com as regras — se elas forem aplicadas. Vejam o governador de Nova York. Ainda que ele não renuncie — é quase certo que vá fazê-lo —, sua vida política chegou ao fim. No Brasil, um caso semelhante conferiu aos convivas de uma casa da fuzarca a fama de garanhões — quando não, de conselheiros de República. Sim, há um tanto de traço cultural já tantas vezes investigado na nossa tolerância com a lambança. A mim me pareceria muito mais realista que Gabeira não fizesse tal promessa, aceitasse, se eleito, as indicações políticas, mas emprestasse a sua credibilidade à garantia de que agiria com rigor nos casos de desvios éticos.
Vejam: é a natureza do processo eleitoral e da democracia representativa que me diz que ninguém se elege imperador. Esse não é um cargo eletivo. Mesmo que fosse um monarca, como tentaria ser Gabeira, dos mais virtuosos. Suas “exigências”, pergunto-me, não fazem a política recuar para uma variante de personalismo, ainda que esclarecido?
Não tenho nenhuma simpatia pelo governo Lula — como se fosse necessário dizê-lo. Mas jamais vocês me viram aqui censurando-o por distribuir cargos a políticos da base aliada. Se incompetentes ou ladrões, bem, aí é outra coisa. Os desvios da administração Lula não decorrem da observância das práticas da democracia representativa, mas da inobservância de seus fundamentos éticos.
Ah, sim: Gabeira também quer levar o PT do Rio para a sua frentona. O partido, na cidade, é quase nada. Estaria, isto sim, é levando Lula para o seu palanque. A esta altura, companheiro, convenha, seria um sinal pouco auspicioso para quem demonstra tão grande ambição.