Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 06, 2007

ENTREVISTA - JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Para historiador e acadêmico, crise gerada pela indisciplina dos operadores de vôo revelou "inabilidade política" do governo, mas democracia não corre risco

Políticos e militares ainda não falam a mesma língua

Ana Carolina Fernandes - 1º.set.2004/ Folha Imagem
O historiador José Murilo de Carvalho em sua posse na ABL


LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Passados 22 anos da redemocratização do país, políticos e militares ainda não se entendem. Essa é a avaliação do historiador José Murilo de Carvalho, 67, professor da UFRJ, ao comentar a atual crise institucional entre governo e Forças Armadas após o motim dos controladores de vôo e do caos observado nos aeroportos.

Para ele, "a criação do Ministério da Defesa foi um passo à frente, mas até hoje não decolou, está em permanente apagão". Membro da Academia Brasileira de Letras e autor de "Forças Armadas e Política no Brasil" e "Cidadania no Brasil: o longo caminho", Carvalho afirma que a atual crise é resultado da incompetência política e da incapacidade do presidente Lula em gerir a situação.
"A crise revelou dois problemas não-resolvidos referentes às Forças Armadas: o orçamentário, que afeta salários e o aparelhamento institucional (...), e o político, que afeta a inserção dos militares na máquina do poder. Sem a solução dos dois, nossa democracia continuará sujeita a chuvas e trovoadas, longe do céu de brigadeiro", diz.


FOLHA - Há, de fato, uma crise institucional entre governo e militares?
JOSÉ MURILO DE CARVALHO -
Há uma pequena crise provocada por incompetência política.

FOLHA - O senhor vê algum paralelo entre a atuação do governo Lula com os controladores de vôo e as medidas de João Goulart, em 1964, em relação aos marinheiros?
CARVALHO -
O presidente cometeu o mesmo erro que João Goulart no trato com militares, o descaso pela disciplina e pela hierarquia. Corrigiu-se a tempo, desautorizando um ministro civil que não tem tanques. O sinal dos tempos é que não foi deposto nem se cogitou isso, mas saiu com a autoridade desnecessariamente arranhada.

FOLHA - O sr. acha que os pedidos dos controladores de vôo para desmilitarizar a profissão mostram algum tipo de reivindicação política, como a conquistas de direitos civis para militares?
CARVALHO -
Tenho dificuldade em ver o problema por este lado. Não se trata mais do movimento dos sargentos de 1963 e 1964. Ali, sim, o regulamento militar lhes negava direitos civis, como o de casar sem licença, ou políticos, como o de ser eleito. Hoje, trata-se de inadequação do regulamento militar, inclusive no que se refere a salários, para a atividade de controlador de vôo.

FOLHA - O que este episódio revela sobre a democracia brasileira?
CARVALHO -
O episódio revela que, depois de 22 anos de governo democrático, políticos e militares ainda não conseguem falar a mesma língua. A criação do Ministério da Defesa foi um passo à frente. Todos os países o possuem. Mas até hoje ele não decolou, está em permanente apagão. Os ministros civis que o ocuparam nunca tiveram legitimidade para representar as Forças Armadas e menos ainda para obter sua subordinação. O caso do ministro atual chega a ser patético. Sem interlocução eficaz, escaramuças ou mesmo crises podem pipocar a qualquer momento.

FOLHA - A crise pode piorar? Há riscos para a democracia?
CARVALHO -
Pode-se dizer que há disposição geral dos militares de aceitar as regras do jogo democrático. Pequenas resistências podem haver na geração mais antiga, e certamente há entre oficiais da reserva que se manifestam nos clubes militares. Mas não há risco imediato para a democracia. A longa história de intervenção, no entanto, deu aos militares um peso que, mesmo que por inércia, ainda subsiste. Os políticos é que nunca aprenderam a lidar com os militares: ou é confronto ou oportunismo ou subserviência.
Desde o Estado Novo, as Forças Armadas se preocuparam sobretudo com a luta contra o comunismo, mesmo à custa da democracia política. Desaparecida essa ameaça, abre-se o caminho para um papel menos politizado e mais profissional. A democracia será mantida ou não pela ação da sociedade.

FOLHA - É possível prever mais conflitos entre governo e militares?
CARVALHO -
Conflito não precisa haver. Basta que os poderes da República enfrentem o problema da definição do papel das Forças Armadas em país democrático no mundo globalizado e definam esse papel em acordo com os militares.

FOLHA - Quais os resultados desta crise para o país?
CARVALHO -
O apagão de seis meses revelou imensa incapacidade gerencial do governo. A recente crise gerada pela indisciplina dos operadores militares revelou grande inabilidade política. A crise revelou dois problemas não-resolvidos referentes às Forças Armadas: o orçamentário, que afeta salários e o aparelhamento institucional, inclusive para exercer o controle do tráfego aéreo, e o político, que afeta a inserção dos militares na máquina do poder. Sem a solução dos dois, nossa democracia continuará sujeita a chuvas e trovoadas, longe do céu de brigadeiro.

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