O Globo |
2/1/2007 |
Como manifestação de intenções, o discurso de posse do presidente Lula foi uma grata surpresa, o que se poderia esperar de um governo que, renovando seu mandato, renova também as esperanças. Pelo menos na retórica inaugural, o segundo tempo de Lula, que parecia fadado à mesmice, tem um bom roteiro. Conseguiu equilibrar seu traço forte, que é a ligação direta com o povo, compromissos com a responsabilidade fiscal e empenho nas reformas estruturais de que o país necessita. Seria demais querer que defendesse nesse primeiro discurso uma reforma da Previdência, por exemplo, pois isso quebraria o encanto de sua reeleição. Mas falou em "reformas mais amplas", em "ousadia para mudar regras", e em corrigir o que estiver errado para "consolidar os avanços sociais". Garantiu que vai reforçar as linhas da política macroeconômica, e pode-se entender, portanto, que não vai ser condescendente com o controle da inflação, já que mantê-la baixa é um pressuposto para que as políticas sociais de seu governo, que garante que não é populista mas sim popular, tenham sucesso e permitam que "acelerar, crescer e incluir" sejam as palavras definidoras deste segundo mandato. Como estamos no primeiro dia da segunda parte de seu governo, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ainda está para ser anunciado e será apenas uma parte de várias outras medidas a serem tomadas, a esperança que todo Ano Novo traz recomenda que se dê pelo menos tempo ao tempo até que fique claro quais são os instrumentos de que o governo disporá para conseguir "destravar o Brasil" e "desatar alguns nós e avançar com toda velocidade". Do jeito que o presidente Lula colocou as coisas, estaremos no caminho certo: o PAC pretende "desobstruir os gargalos", "desonerar investimentos privados", "fomentar o empreendedorismo", "reduzir a desigualdade entre as regiões", "democratizar o conhecimento". O que não ficou claro é como o governo vai conseguir atingir todos esses objetivos se, para continuar com a política de dar aumentos reais ao mínimo, teve que reduzir o pacote de incentivo aos investimentos privados. Quando for desembrulhado, saberemos se o PAC tem consistência ou é apenas mais um instrumento de marketing bolado por João Santana, o marqueteiro da vez do Palácio do Planalto. O chamado que Lula fez ao entendimento com a oposição, afirmando que não pedia o abandono de convicções, mas que os pontos de união fossem mais ressaltados do que os de separação, pode ser visto como um bom começo de diálogo para uma reforma política, que ele definiu como uma atividade imprescindível, que passa por um momento de descrédito. Mas um sinal de alerta acende quando o presidente, dizendo-se atento "aos movimentos sociais", defende o fortalecimento dos espaços públicos através da "democracia participativa" e de consultas à sociedade organizada. É o que o atual ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, chama de "plebeização" da política, que está na base das críticas que Lula voltou a fazer à mídia em geral. Para o presidente, os "elitistas que não conhecem o país criticaram os programas assistenciais como sendo "distribuição de migalhas"", quando na verdade o que seu governo fez foi "socializar a cidadania". No mesmo discurso, porém, o presidente voltou a bater na tecla de que sua reeleição mostrou "que o povo não precisa de tutela" e que não há "nada mais ético do que promover a justiça social", deixando implícito que se considera "absolvido" pela vitória eleitoral. Quando afirma que os eleitores já dispensam intermediários, e defende a "política participativa", mesmo que diga o contrário Lula está minimizando a "política representativa", feita pelo Congresso. Quando se diz atento aos movimentos sociais e combina com as centrais sindicais o aumento do mínimo, dispensando os partidos e ameaçando com um veto se o Congresso mudar sua decisão, está mais uma vez relegando os políticos a um papel secundário nesse jogo. Segundo ele, sua reeleição foi a resposta da "verdadeira opinião pública" que "alguns tentaram monopolizar". Esse presidente que se sente "instrumento de um movimento histórico", esse "retirante de pau-de-arara", um homem do povo que pela primeira vez chegou ao poder, e que nunca se esquece de onde veio, se diz um presidente de todos, mas em especial dos mais pobres. Se comparou a uma mãe que ama os filhos, mas dá atenção especial aos mais mais fragilizados. Quem pode ser contra diminuir a desigualdade ou dar tratamento especial aos mais necessitados? A questão é compatibilizar essas "bondades" com a realidade do Orçamento, se crescer e incluir é um lema a ser levado a sério. O presidente foi mais longe ao definir os atentados que aconteceram no Rio nos últimos dias como "terrorismo". Deu a entender que pretende discutir com o Congresso e os novos governadores uma legislação que permita ao Estado combater esse fenômeno com mais rigor. É um passo importante para enfrentar a onda de violência que assola o país. Ao chamar a si o problema, o que foi evitado no seu primeiro governo e também no de Fernando Henrique, Lula corre risco político proporcional à gravidade da situação. Mas também dá passo importante para enfrentar a crise de segurança pública, que corrói a auto-estima do brasileiro e é um dos entraves ao crescimento econômico sustentado. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, janeiro 02, 2007
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