FSP
Tantos foram os comentários mal impressionados com as primeiras transmissões das CPIs, aqueles espetáculos de falta de compostura e de outras qualidades devidas por parlamentares, que minha impressão inicial foi de que a a TV, com a melhor intenção, fazia muito mal ao Congresso. Os dois julgamentos de recursos de José Dirceu ao Supremo Tribunal Federal, causa de tantos comentários mal impressionados com o espetáculo na arena do tribunal, quase me devolveram à idéia de que tais transmissões mais deseducam do que civilizam politicamente. Mas, a essa altura, já corrigira a conclusão inicial. A TV mostrou o que é a realidade atual do Congresso e do STF, e nada é mais educativo do que o conhecimento da realidade.
A péssima impressão generalizada pelas transmissões parece contribuir muito para a reação contra as apelações do deputado José Dirceu. De fato, ele não está fazendo defesa, propriamente. Não apresentou um só fato ou argumento novo desde os primeiros e tão frágeis que ofereceu. Mas o melhor, para todos, é que José Dirceu use de todos os recursos imagináveis por seus advogados. Não poupe nem os pais-de-santo e assemelhados, hoje mais encontráveis em Brasília do que na Bahia.
Com os recursos protelatórios de Dirceu, não se perde mais do que os pagamentos feitos a um parlamentar e aos seus numerosos assessores, mês após mês, para se ocuparem apenas de sua defesa (é um privilégio, sim, mas parlamentar no Brasil quer dizer, acima de tudo, privilégio). Pode-se esperar que José Dirceu, se afinal cassado, passe os séculos vindouros bradando seus refrãos atuais, "cassaram meu direito de defesa", "o processo recorreu a ilegalidades" e por aí. Não só pelos direitos que Dirceu tenha, de defesa ou de protelação, mas para que seus brados não se apóiem em fatos comprometedores da lisura institucional, são impróprias as pressões em curso sobre o STF e sobre dirigentes do Congresso, para adotar acelerações do julgamento de José Dirceu.
O que não se pode aceitar, porém, são deformações interessadas do que foram ou venham a ser os votos no STF. Tenhamos paciência com a cena do presidente do Supremo, de toga, quase deitado na cadeira e refestelado sobre a mesa, cena de rico romano de Hollywood; ou com as ironias ásperas de Sepúlveda Pertence e as interrupções impróprias de Nelson Jobim, quando contrariados nas votações; vá lá que alguns magistrados invertam, em minutos e sem maiores justificações, os votos dados, como seria próprio de palpites e não de apreciação rigorosa. Mas propalar que um voto não seguido por nenhum dos outros ministros, como foi o de Cezar Peluso, representa o pensamento até agora dominante no STF, isso só se entende como manipulação de Nelson Jobim para atenuar a forte reação, na Câmara e no Senado, ao que se tem passado no Supremo.
O recurso de José Dirceu pediu a sustação do seu processo de cassação na Câmara, sob o argumento de que uma testemunha de acusação (Kátia Rabello, presidente do Banco Rural) foi ouvida no Conselho de Ética depois das testemunhas de defesa. Cinco dos magistrados negaram o pedido, entre outros motivos porque Dirceu teve oportunidade posterior de defesa. Quatro, com argumentos variáveis, concederam-lhe o pedido. E um, Cezar Peluso, considerou apenas que o depoimento de Kátia Rabello deve ser retirado. O que está longe de ser voto pela suspensão do processo. Se é apenas retirar uma parte do processo, fica claro que o restante permanece. E o restante, no caso, é o próprio processo de cassação. O empate, entre votos pró e contra o recurso de Dirceu, não foi erro só aritmético de Nelson Jobim.
A votação de cada ministro do STF foi exibida ao público pela TV. A votação está toda gravada. O que cabe é esperar o voto então ausente de Sepúlveda Pertence. Pressão sobre o STF e distorções marotas provenientes do próprio STF são atos violadores da Constituição. E, se tratadas as coisas com alguma seriedade, deveriam pôr seus autores na mesma situação em que está José Dirceu.
Como, no entanto, as sessões transmitidas das CPIs e do Supremo têm exibido à opinião pública, a seriedade está em minoria mínima.
Entrevista:O Estado inteligente
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