TRÉGUA NO PLANALTO
Os ministros Antonio Palocci Filho e Dilma Rousseff reuniram-se ontem para selar os termos de uma trégua que permita a convivência de ambos no governo. Os atritos haviam chegado ao ponto de interromper as relações entre os dois, que mal se falavam. Considerando a posição que ocupam, o prolongamento de uma situação como essa seria insustentável. Um dos dois teria que deixar o ministério.
Ao que se noticia, no encontro, o titular da Fazenda fez prevalecer sua posição favorável a um superávit primário neste ano acima da meta de 4,25%. Em contrapartida, a ministra da Casa Civil obteve a promessa de liberação de mais recursos para os ministérios já no início de 2006.
Apenas no plano das idéias, a ministra Dilma Rousseff não deixa de ter razão ao apontar contradições entre a política de juros elevados e o esforço do setor público para obter saldos em suas contas que reduzam a relação entre o montante da dívida pública e o PIB. Com efeito, juros mais altos aumentam o endividamento e exigem mais economia do governo -o que restringe ainda mais os investimentos públicos.
Na prática, porém, as críticas da ministra a Palocci, além de feitas de maneira desastrada, parecem ter traduzido sobretudo a movimentação política com vistas às eleições: todos -inclusive o presidente- querem gastar mais, sejam gastos que possam ser considerados "bons", sejam os meramente eleitoreiros. Nesse contexto, a manutenção de Palocci tornou-se a garantia de que um mínimo de responsabilidade fiscal será preservado na Fazenda.
Embora as diferenças permaneçam, o acordo poderá ser benéfico para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele mantém no cargo o ministro preferido da oposição e dos mercados, mas o leva a fazer alguma concessão sob a forma de mais verbas e obras eleitorais. É cedo, porém, para avaliações definitivas. Palocci enfrenta problemas nas CPIs e nada garante que Lula continuará sendo bem-sucedido em administrar as divergências entre os dois ministros.
POLÍCIA EM CRISE
Deficiências de estrutura física, má formação de policiais, necessidade de mais investimentos em tecnologia e de mais integração das informações são os principais fatores que tornam pífio o desempenho da Polícia Civil na elucidação de crimes. Esse diagnóstico, em nada novo, foi reiterado pelo secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, em entrevista publicada ontem por esta Folha.
Para ter uma idéia da ineficiência reinante, na cidade de São Paulo, onde o Ministério Público encomendou uma pesquisa sobre o tema, apenas cerca de 20% dos casos de homicídio que chegam às delegacias são resolvidos. Nos EUA, a média é de 66%.
Embora não existam dados nacionais, Corrêa admite que é muito baixo o índice de esclarecimento em todo o país. Esse mau desempenho contribui para difundir a sensação de impunidade, um dos fatores que realimentam a criminalidade.
Menos mau que a Secretaria Nacional de Segurança Pública tenha esboçado um plano para melhorar o desempenho da polícia. O projeto traz medidas elogiáveis, como a criação de delegacias distritais para reforçar o policiamento comunitário, o desenvolvimento de padrões nacionais para a formação de policiais e mais ênfase na atividade investigativa.
É difícil, porém, não observar com uma dose de ceticismo a eficácia de planos desse tipo. Há, no Brasil, um cenário de precariedade material e desarticulação entre as instâncias encarregadas de zelar pela segurança pública que está a exigir ações mais efetivas não apenas do governo federal mas dos Estados, que são, afinal, os responsáveis pelas polícias.
É preciso pensar a gestão policial de forma mais abrangente e coordenada, envolvendo as diversas corporações e esferas de poder num projeto nacional de melhoria da segurança pública. Foi o que o atual governo prometeu, mas até aqui os resultados não são os mais animadores.
JUSTIÇA CEGA
Ofende o sentido de justiça e a noção de solidariedade a prisão da ex-bóia-fria Iolanda Figueiral, 79. A aposentada é paciente terminal de câncer. Pesando menos de 40 kg e padecendo de dores excruciantes, ela pede para morrer em casa. Acusada de tráfico de drogas, é mantida como presa provisória, ou seja, ainda não foi julgada, o que deveria torná-la inocente aos olhos da lei.
O juiz do caso, José Guilherme Di Rienzo Marrey, da 6ª Vara Criminal de Campinas, negou um a um os vários pedidos dos advogados para libertá-la: relaxamento da prisão por falta de provas, liberdade provisória em caráter excepcional, indulto humanitário e mudança de regime para prisão domiciliar. Também o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou-lhe um habeas corpus.
O juiz alega que a Lei de Crimes Hediondos impede a concessão de liberdade provisória para casos de tráfico de drogas. É fato, mas muitos autores entendem esse dispositivo como inconstitucional. Mesmo que não seja, há precedentes de suspeitos de crimes hediondos ou equiparados que obtiveram liberdade provisória. Basta citar o caso ilustre de Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos, soltos apesar de terem confessado o assassinato dos pais de Suzane a golpes de barra de ferro.
De resto, Iolanda é ré primária, tem endereço fixo e recebe aposentadoria de R$ 300 mensais. O próprio Ministério Público deu dois pareceres favoráveis à liberdade provisória.
A aposentada pode, como qualquer cidadão, ser acusada de um crime e presa. Mas ela tem o direito de ser julgada celeremente. Se o Estado não é capaz de fazê-lo num tempo "razoável", como definido pela emenda constitucional nº 45, é melhor que seja solta -e isso vale especialmente para idosos acometidos por doenças em estado terminal.
Existem milhares de maneiras de cometer injustiça sem quebrar uma única lei. Se o elemento humanitário não devesse ser sempre observado, nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando mecanicamente as normas legais.
Entrevista:O Estado inteligente
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