Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 24, 2005

LUÍS NASSIF Racionalidade na planilha

FSP
 Não é de hoje, é de décadas, certo vezo da cobertura política e econômica de radicalizar as diferenças. Tome o caso Palocci-Dilma. Após a entrevista ao "Estado de S. Paulo", Dilma foi acusada de tentar mudar o modelo econômico, de propor a volta da gastança e coisas do gênero. O que está em discussão:
1) Palocci quer aumentar o superávit primário para 6%. Dilma quer manter a meta de 4,25%, acordada no início do ano e muito maior do que a exigida pelo FMI;
2) Palocci quer plena liberdade para fixar os juros. Dilma quer que o ajuste fiscal leve em conta também a responsabilidade dos juros. É um princípio básico de restrição ao qual tem que se submeter qualquer política econômica responsável.
3) Palocci e o ministro do Planejamento querem definir metas de superávit de dez anos à frente. Dilma diz que metas de dez anos não se fixam na planilha, mas levando em conta agentes sociais. E, se a meta meramente fixa números, sem detalhar a estrutura de despesas, é tosca.
Como se pode dizer que está colocando em xeque o modelo econômico?
Um dos clichês utilizados para justificar esses juros é que a taxa Selic é alta porque a dívida pública é alta. Chegou-se ao sumo do requinte analítico: o argumento é válido, seja qual for o nível da taxa de juros praticada. Dois pontos é uma diferença abissal na conta de juros. Se se pode ficar em 17% e se fixa em 19%, jogam-se pelo ralo bilhões de reais. No entanto o manual do "jurista" reza que, qualquer que seja o nível da taxa de juros e qualquer que seja o nível que o investidor esteja disposto a pagar, ela é justificada a priori pelo tamanho da dívida pública. Cartesianismo puro!
Outro clichê é essa história de que a disputa entre Palocci e Dilma é entre quem gasta bem (Palocci) e quem gasta mal (todos os demais ministérios). Indague de Palocci e do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com quais indicadores eles trabalham para aferir a eficácia dos gastos públicos. Indague de que maneira eles, mais o Tesouro, definem a programação orçamentária do ano, a ponto de alterar a meta de superávit faltando dois meses para terminar o ano.
Se outros ministérios têm dificuldade burocrática para gastar dinheiro, é papel da área econômica fornecer assessoria aos ministros, como fez Yoshiaki Nakano, no governo Covas, no maior processo de ajuste fiscal que o país conheceu. O que se fazia era racionalizar processos, economizar sem se prevalecer de entraves burocráticos que apenas emporcalham mais ainda a qualidade do gasto público.
O que Dilma fez na entrevista -e antes, nos embates internos do governo- foi demonstrar o anacronismo desse modelo de gestão financeira. Internamente, ganhou a batalha pelo coração e a mente de Luiz Inácio Lula da Silva. Pela primeira vez, caiu a ficha de Lula de que a política monetária não é um bezerro de ouro, com vida própria, mas um conjunto de normas que precisam estar acopladas a uma lógica de governo.
Isso não significa questionar modelo econômico nenhum nem propor populismo fiscal. Significa impor um pouco de racionalidade na planilha.

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