Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 23, 2005

DORA KRAMER Ponto para Palocci

OESP

Ponto para Palocci

dkramer@estadao.com.br

DORA KRAMER

Ministro dribla agenda da crise e exibe perfeita harmonia com o modo lulista de operar A olho objetivamente nu é impossível vislumbrar as razões pelas quais tantos apostam com tanta certeza na despedida iminente do ministro Antonio Palocci.

Não que ele deixar a Fazenda seja uma hipótese fora de cogitação, seja por eventualidades vindouras, seja por simples decisão dele ou do presidente da República.

Sua saída agora teria motivos ainda invisíveis, pois, no presente momento, nada de diferente ocorre para justificar a demissão de auxiliar presidencial da importância do ministro da Fazenda.

O presidente Luiz Inácio da Silva disse que a política econômica não vai mudar, Palocci externou compreensão com as bem ensaiadas más-criações da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e, no tocante às denúncias de corrupção na prefeitura de Ribeirão Preto, o ministro segue rigorosamente o roteiro em voga: deprecia o conteúdo, critica a forma, atribui tudo a perseguições políticas e professa fé na ética, defendendo "apurações rigorosas", mas não atiça com carga pesada seus acusadores.

O ministro da Fazenda está, portanto, em perfeita consonância com o modo petista, e sobretudo lulista, de operar.

Até o "bico" registrado pelas câmeras em solenidade no Palácio do Planalto na segunda-feira e logo interpretado como sinal de desconforto explícito integra-se à perfeição ao novo cenário que o governo, com surpreendente habilidade (de cunho imediatista, pois como diz o outro, as conseqüências vêm depois) conseguiu construir em substituição àquele onde predominava o tema corrupção.

Considerando que ministro não "emburra", vai embora ou absorve o golpe sem passar recibo, ali ou Palocci fez jogo de cena ou foi alvo de interpretações precipitadas pautadas pela síndrome do dilema inexistente.

A realidade de hoje - a conjuntura não autoriza análises com prazo de validade superior a 24 horas - é que está tudo transcorrendo nos conformes para o ministro da Fazenda.

Já está na sua segunda sessão de audiências públicas no Congresso em meio à crise e até agora não foi pego em inadequações graves.

Claro, poderia ter sido mais convincente em relação ao seu plantel de assessores em Ribeirão Preto, não precisaria ter explicitado a suspeição de que a Justiça brasileira não é cega às influências do poder dizendo que não processa seus acusadores para não "constrangê-los" com o peso de uma ação movida por ministro de Estado, mas, noves fora, até aonde a vista alcança, está fazendo o serviço muito bem feito para si e para o governo.

A oposição não fez dele o picadinho pretendido (não por todos), tampouco fez-se valente quanto à convocação à CPI dos Bingos usada na semana passada pelo PSDB e pelo PFL como justificativa estratégica para não questioná-lo a respeito das denúncias na Comissão de Assuntos Econômicos.

Ontem a CPI inovou na modalidade do chamado: nem convida nem convoca, apenas "avisa" o ministro da intenção de ouvi-lo, deixando o restante - o principal - a critério dele.

Se não houver novidades no horizonte, não conviria apostar nem na brevidade nem na utilidade desse encontro que, com toda fidalguia e maciez, o ministro da Fazenda fará de tudo para esvaziar.

Ponto, parágrafo

Desde antes da posse do presidente Luiz Inácio da Silva os petistas alimentam o discurso de que mais dia menos dia surgirá um Plano B para a economia. O debate em geral ressurge em períodos de dificuldades políticas.

Ontem, mais uma vez, o ministro da Fazenda manifestou convicção na inexistência de receita nova: "A política econômica faz o melhor do que existe disponível para ser feito não só no Brasil, mas no mundo."

Dissonância

A pesquisa CNT-Sensus mostra mais que o agravamento das relações de confiança e aceitação entre o presidente Lula e a população.

Mostra uma acentuada discrepância entre a percepção da sociedade sobre os escândalos envolvendo o PT e a versão governista a respeito do tema.

O discurso do presidente, do ministro da Fazenda, do deputado José Dirceu e dos petistas em geral é de desdém quanto à substância das acusações.

Pela pesquisa, 64,6% das pessoas acham que o curto-circuito ético terá influência no voto de 2006 e 77,5% acreditam que novas denúncias ainda vão surgir. Ou seja, na sociedade a maioria dá crédito aos episódios em cartaz há seis meses e ainda acha que há mais a ser revelado.

A parte da avaliação eleitoral registrada na consulta nem tem tanto peso no que tange à disputa presidencial propriamente dita, visto que a campanha ainda não começou de fato. Uma vez iniciado o embate, o governo tanto pode perder quanto ganhar, sendo a recíproca verdadeira para a oposição.

Complicado é o índice de 72,6% de pessoas com a convicção de que a imagem do presidente foi afetada pela crise e de 82,1% que antecipam rejeição aos políticos envolvidos em irregularidades.

Somando um indicador ao outro, consolida-se um critério de voto altamente desfavorável para Lula.



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