o globo
O governo tenta encontrar um meio-termo entre Dilma e Palocci. Essa possibilidade aumentou depois da conversa entre a ministra Dilma Rousseff e o ministro Antonio Palocci no fim de semana. O debate está errado desde o começo, porque se passa como se o governo estivesse cortando gastos demais, e ele está, na verdade, aumentando gastos de custeio perigosamente. O investimento está atrasado, mas nem toda a culpa pode ser debitada à área econômica.
A conversa entre Palocci e Dilma foi um avanço por vários motivos: primeiro, reduziu a tensão entre eles e preparou o terreno para um encontro mais sereno ontem na presença do presidente; segundo, cada um pôde ouvir o argumento do outro mais tranqüilamente; terceiro, como foi proposto por Palocci e foi na casa de Dilma, o diálogo já começou desarmando a ministra-chefe da Casa Civil, que havia sido a primeira a atacar com a entrevista ao jornal "O Estado de S.Paulo"; quarto, serve como banho de água fria para alguns integrantes do governo que já estavam pondo as manguinhas de fora, como o assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, que, no fim de semana, disse que é balela controlar gastos correntes, como se entendesse do assunto.
Os dados que o Tesouro tem mostrado indicam que os gastos correntes têm crescido a 8% reais ao ano nos últimos dois anos. Por enquanto, a arrecadação acima do projetado tem conseguido cobrir essa gastança, mas qualquer pessoa consegue ver que isso projetado no tempo vai acabar erodindo a estabilidade e provocando aumento de impostos.
Este ano, até outubro, as despesas correntes eram 16,83% do PIB, 0,67 ponto percentual acima das do mesmo período em 2004, quando eram de 16,16% do PIB. O maior aumento, segundo explica o analista Fabio Akira, do JPMorgan, veio dos gastos com previdência, que saíram de 6,6% do PIB para 7% do PIB. Aumentaram também os gastos com programas sociais, com seguro-desemprego. Os gastos com pessoal, em si, não cresceram, permanecendo no mesmo patamar.
Tudo se passa como se a área econômica estivesse produzindo superávit maior apenas por maldade. A verdade é que os ministérios não têm conseguido gastar tudo o que está liberado e em caixa; os estados e municípios também têm tido superávit acima da meta; a arrecadação além do projetado explica grande parte do superávit excedente; a sazonalidade do gasto faz mesmo com que se produza um superávit maior no começo do ano porque ele cai em novembro e vira déficit em dezembro, época do pagamento do 13 salário e de liberações maiores.
Os dados divulgados ontem pelo Banco Central mostram, de fato, um superávit bem maior do que a meta. Ele foi, em dez meses, de 115% da meta. No ano passado, nesta mesma época, estava em 109% da meta. Trocando em miúdos, o governo economizou R$ 12,3 bilhões mais do que havia estabelecido como meta. Em novembro, o superávit deve ser menor e, em dezembro, deve dar déficit. Mesmo assim, o ano terminará com um superávit maior que os 4,25% do PIB.
Nesse valor economizado a mais, há tanto esforço extra de estados e municípios quanto do governo federal. O resultado das estatais também é incluído, mas ele está abaixo da meta até agora. Esperava-se que as estatais dessem um resultado positivo de R$ 15 bilhões e elas até agora fizeram R$ 11,2 bilhões. Estatais não têm meta, porque seu lucro depende de inúmeros fatores, mas hoje o resultado do governo central, que inclui governo federal e estatais, está acima da meta graças à administração direta, e não às estatais.
Mas enquanto no Brasil Dilma e Palocci tentavam encontrar uma forma de se entender, na Argentina, um conflito muito parecido acabou ontem com a demissão do ministro da Fazenda só para lembrar, mais uma vez, a diferença entre os dois países.
Lá, o ministro da Fazenda entrou em confronto com o do Planejamento, Julio Devido. Em disputa, o mesmo de sempre: Roberto Lavagna queria controlar gastos e adotar medidas de combate à inflação, que lá chegou a 12% ao ano. A alta de preços está neste nível apesar de as tarifas públicas continuarem muito defasadas. O presidente Nestor Kirchner aproveitou uma mudança que tinha que fazer no gabinete para liberar alguns ministros que foram eleitos, como o ministro das Relações Exteriores, o da Defesa e a do Desenvolvimento Social. Incluiu tudo no pacote e tirou Lavagna também.
Voltando ao Brasil, os críticos dos juros altos tiveram ontem uma boa razão para continuar reclamando. Os dados divulgados pelo Banco Central mostram que, até agora, a taxa média de juros no ano é 2,5 pontos percentuais acima da taxa do ano passado. A carga de juros foi muito maior e, apesar de todo o esforço do ano, o país terminaria 2005 com um déficit nominal de 3,6% do PIB se o superávit ficasse em 4,25%. O superávit ficará um pouco maior que isso, mas, no começo do ano, a previsão era de que o déficit nominal fosse ficar abaixo de 3%. Os juros já começaram a cair, mas agora o efeito de redução será mais lento porque uma parte maior da dívida é prefixada. No ano passado, só 14% da dívida eram prefixados, agora são 23,4%.