A bela voz de tenor e a dicção impecável condiziam com a frase solene. "Japona não é toga", avisou o presidente do Senado, Auro Soares de Moura Andrade, no fim de agosto de 1961. A renúncia de Jânio Quadros, consumada no dia 21, excitara os chefes militares, inconformados com a entrega da Presidência ao vice João Goulart. Figurão da ala conservadora do PSD paulista, o fazendeiro Auro não morria de amores por Jango. Mas considerou ultrajante a interferência dos comandantes das Forças Armadas no universo do Poder Legislativo.
Auro presidiu o Senado num tempo em que os quartéis fabricavam crises e o Supremo Tribunal Federal simbolizava a sensatez. É improvável que repetisse a frase neste espantoso 2005. Num Brasil pelo avesso, a discrição dos quartéis contrasta com a escancarada partidarização do STF. A japona contempla a crise em silêncio. A toga circula pelo palco com o desembaraço das fardas de antigamente.
Poucos brasileiros recordam o nome do jurista que presidia o STF quando Jânio renunciou. O atual comandante da corte, Nelson Jobim, virou figurinha carimbada no noticiário político e no novelão da grande crise.
Advogado e político, o gaúcho Jobim pousou no Supremo sem ter sido juiz. Jamais julgara coisa alguma com a isenção indispensável. Performances recentes informam que nunca fará o que não aprendeu na hora adequada.
Não é homem de concentrar-se no exame dos autos. Prefere defender causas e idéias com eloqüência de palanqueiro. Não examina processos. Escolhe de saída que parte vai apoiar e marcha para a frente de batalha.
No momento, o chefe do Poder Judiciário, cargo que acumula com a liderança da bancada majoritária do STF, apóia o deputado José Dirceu. Ameaçado pela guilhotina da cassação, o parlamentar do PT resolveu escapar do cadafalso pelo quintal do Supremo – e agora freqüenta o lugar com a assiduidade de ministro. Tem sempre uma novidade a apresentar. E qualquer liminar serve de pretexto para mais uma bofetada no Poder Legislativo.
Os guerreiros togados nunca atropelaram as fronteiras vizinhas com tamanho atrevimento. Desde quarta-feira, outra filigrana jurídica invocada pelos advogados de Dirceu ameaça adiar o julgamento. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, deixou de lado o bom-mocismo para garantir que o caso terminará no dia 30, seja qual for a decisão do STF. O presidente do Senado, Renan Calheiros, enfim se animou a contra- atacar os invasores.
Ou os congressistas defendem a independência que a Constituição lhes garante ou instalam Jobim no comando do Parlamento.
Impressionado com o bom desempenho do deputado Gustavo Fruet nas sessões iniciais da CPI dos Correios, o Cabôco aguardou, ansioso, o parecer do tucano paranaense promovido a subrelator. Ficou desapontado. Para Fruet, a dupla Delúbio- Valério foi a mentora da roubalheira. Só?, pergunta o Cabôco. Não entende por que Fruet evitou formar ao menos um trio, liderado por um ex-ministro hoje exposto aos vendavais na planície.
Pausa para a franqueza
Ocortejo de pelintras e pilantras patrocinado pela CPI dos Bingos foi interrompido, na quarta-feira, para a passagem de uma mulher sincera. Sóbria e serena, Rosângela Gabrilli, integrante da família que administra uma frota de ônibus em Santo André.
A empresária detalhou o funcionamento da máquina de arrancar propinas montada no fim dos anos 90, durante a gestão de Celso Daniel, o prefeito assassinado em janeiro de 2002. Todos os proprietários de ônibus foram transformados em contribuintes compulsórios do PT.
Pagavam R$ 550 por veículo. A Guará, empresa dos Gabrilli, era sangrada em R$ 40 mil por mês pela quadrilha de extorsionários que incluía Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra", assessor do prefeito e cobrador.
Confiante na eterna impunidade, ele autorizou alguns extorquidos a pagar a mesada com depósitos em sua conta bancária. Comprovantes guardados por vítimas se tornaram prova da existência do esquema.
Cinco dias depois do assassinato de Celso Daniel, os Gabrilli denunciaram à Justiça a roubalheira institucionalizada. Na CPI, Rosângela repetiu as acusações e adicionou ao relato uma revelação espantosa: Lula conhece a história desde o começo de 2003.
O presidente ouviu- a no apartamento que mantém em São Bernardo, contada por Mara Gabrilli, irmã de Rosângela. Paraplégica, Mara estacionou a cadeira de rodas diante do prédio e avisou: ali ficaria até ser recebida por Lula. Conseguiu.
Durante 30 minutos, Mara relatou a Lula e à primeira-dama, Marisa Letícia, o que ocorrera em Santo André. O presidente permaneceu em silêncio. Não pareceu perplexo. Prometeu apurar o caso e chamá-la para outro encontro. Mentia.
"A morte de Celso Daniel foi um acidente de percurso", disse o presidente na quinta-feira. "Não acredito em crime político em hipótese alguma". O detetive Lula já embarcara nessa falácia em 2003. Mara perdeu seu tempo com alguém espertamente ensurdecido.
Delúbio é o Maluf do PT
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, merecia protagonizar a frase criada por Duda Mendonça para as campanhas de Paulo Maluf. Obras prodigiosas em São Paulo? Foi Maluf quem fez. Bandalheiras envolvendo petistas? Foi Delúbio quem fez.
Na quinta-feira, o deputado João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, deixou a fila da guilhotina para mentir no conselho de Ética. Restaurada a estampa de aluno estudioso, debitou todos os pecados na conta do companheiro. E os R$ 50 mil valerianos retirados por sua mulher no Banco Rural? "Foi o Delúbio quem mandou pegar", disse.
Parecia a continuação do seriado que estreara dois dias antes na CPI dos Bingos, estrelado por Paulo Okamotto. "Retirei em dinheiro porque o Delúbio mandou", explicou o amigo de Lula que jura ter quitado em sigilo o empréstimo do PT ao presidente. "Foi o Delúbio quem exigiu o pagamento", revelou. O homem da mala encostou a faca justo no peito do chefe? Essa é boa, Okamotto. Conta outra.
O limite da ladroagem
A taça vai para a desembargadora Vera Lima e Silva. Decidida a livrar do banco dos réus o casal Garotinho e alguns devotos, fixou numa frase o teto da roubalheira:
"Com as denúncias do mensalão, os R$ 318 mil apreendidos na sede do PMDB em Campos já não são vultosos. São módicos".
Acima disso, cadeia. Abaixo, impunidade.
Zeca se afoga no Pantanal
O governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, tropeçou no instinto de sobrevivência dos deputados estaduais. Foi arquivado o projeto que semearia usinas de álcool no entorno do Pantanal.
O suicídio do ambientalista Francelmo, que ateou fogo ao corpo, apontou aos deputados o caminho da sensatez. "Foi uma imolação pela pátria, que na terra do mensalão destoa", resumiu Manoel de Barros, o grande poeta pantaneiro. Zeca quer ser senador em 2006. Terá de contornar um homem em chamas.
Na ante-sala da tragédia
A coluna ecoa e endossa o aviso reiteradamente formulado por especialistas no assunto – e sistematicamente ignorado por autoridades que, incumbidas de governar os sertões, confundem mandacaru com palmeira imperial. Represas e açudes do Norte e do Nordeste estão a um passo da capitulação, vítimas da incompetência e do descaso.
Falta às represas e aos açudes um pouco de tudo. Faltam verbas, cuidados essenciais, manutenção preventiva, vistorias periódicas, funcionários, vigilância permanente. Faltam, sobretudo, obras capazes de ressuscitar corpos em decomposição. Milhares de brasileiros são vizinhos da tragédia anunciada.
O Brasil não termina nas águas do Rio São Francisco.
Missão no atoleiro
As Forças Armadas são historicamente avessas à mobilização de tropas para garantir a segurança das metrópoles. Milhões de cariocas imploram por batalhões treinados para neutralizar as guerras do narcotráfico nos morros. Mas missão em favelas não é coisa para o Exército, avisam generais. No Brasil, devem agora ressalvar.
Longe daqui é, como atestam as tropas deslocadas para o Haiti pela megalomania do Itamaraty. Naquele atoleiro, lutam diariamente em favelas conflagradas. No comando da força de paz da ONU, o Brasil é injustamente responsabilizado por atrocidades alheias. O Haiti é aqui. Mas o governo achou que nos faltava um Iraque no Caribe.
A Abolição não chegou lá
Concebido em 1995, o programa nacional de combate ao trabalho escravo fez do Brasil uma referência planetária. Os relatórios anuais da Organização Internacional do Trabalho invariavelmente reservam adjetivos animadores ao esforço empreendido pelo país para remover o aleijão vergonhoso.
Ainda assim, cerca de 40 mil trabalhadores rurais continuam submetidos a brutalidades, violências e rigores que requerem uma Segunda Abolição. O campeonato do escravagismo é liderado por Mato Grosso, capitania governada pelo plantador de soja Blairo Maggi. Logo atrás aparece o Pará do governador tucano Simão Jatene. Ocupados em desmatar a Amazônia, não têm tempo para escravos.
Alckmin pára o trem errado
Algum tecnocrata carente de neurônios teve a idéia desastrada. O governador Geraldo Alckmin decidiu endossá- la. E milhares de passageiros subitamente perderam o trem que os transportava todos os dias.
Os moradores da região tentam entender a recente desativação, pela Companhia de Trens Metropolitanos, do ramal Itapevi-Amador Bueno, na Grande São Paulo. Esse metrô suburbano foi substituído por ônibus velhos e sempre superlotados. O prefeito José Serra, também de olho na Presidência, sorriu