Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 24, 2005

DORA KRAMER Tão realista quanto o rei

OESP


dkramer@estadao.com.br

DORA KRAMER

Lula fantasia como presidente, mas como candidato aprendeu a ser pragmático A última pesquisa CNT-Sensus mostra que o presidente Luiz Inácio da Silva sabe o que diz quando levanta a hipótese de não vir a disputar um segundo mandato e contraria a tese prevalecente entre políticos e analistas, de que será candidato sob quaisquer circunstâncias.

O senso comum tem se mostrado mais otimista que o rei e, por algum motivo fugidio à compreensão da realidade objetiva, enxerga as declarações de Lula a respeito de suas dúvidas sob o prisma do jogo dos contrários: a cada vez que ele fala na possibilidade de não ser, mais consolidadas manifestam-se as certezas de que será.

De fato, em princípio seria, pois a reeleição é a regra. Mas, como tem dito o presidente, tudo depende das chamadas condições objetivas. Se estas não forem seguras, difícil imaginar que opte por se aventurar em campo de alto risco quando tem a prerrogativa da saída honrosa e o argumento da coerência como adversário do princípio da reeleição.

Pode, inclusive, em seguida capitanear campanha pelo fim dos quatro anos com direito à reeleição e a adoção de mandato de cinco anos.

Com 46,7% de rejeição num cenário em que seus possíveis concorrentes só fazem crescer - uns mais, outros menos -, sem uma grande idéia-força nas mãos para substituir a expectativa de mudanças (também conhecida pelo nome de esperança) que o levou à vitória em 2002, o presidente não dispõe de condições exatamente favoráveis para concorrer sem o risco de uma derrota desmoralizante.

Lula pode ser um péssimo analista da conjuntura, prefere a fantasia do discurso fácil - cacoete de oposição - ao comprometimento com a realidade. Mas no tocante a seu próprio destino eleitoral, o candidato Luiz Inácio da Silva sempre exibiu pragmatismo.

Quando se deixou levar pelo impressionismo, reviu sua posição.

Já na eleição seguinte à derrota para Fernando Collor, em 1989, fez autocrítica da recusa ao apoio oferecido pelo PMDB de Ulysses Guimarães e exigiu, para disputar com Fernando Henrique em 1994, que a esquerda do PT aprovasse a política de alianças.

Em 1998 concorreu por honra da firma, sabendo da derrota, mas ciente de que se não disputasse poderia não ser mais o candidato do partido na próxima e, finalmente, em 2002, impôs suas condições para ser candidato: profissionalização da campanha, ampliação das alianças à direita e adaptação do discurso ao gosto do eleitorado não ideológico.

Não é crível que em 2006 vá para a disputa movido pelo voluntarismo e confiante apenas na força do governo e no peso do assistencialismo. Afinal, a manipulação dos pobres presta-se ao serviço de ambos os lados, aos oposicionistas e governistas. O recurso ao populismo rasteiro pode variar de grau, mas é arma usada por todos os políticos.

Além disso, o problema mais grave de Lula não está no eleitorado alcançado por esse tipo de benefício e sim naquele extrato social urbano mais bem informado, escolarizado, alimentado ao qual se dá genericamente o nome de classe média.

O trabalho nesse setor não é de manutenção, mas de recuperação.

Considerar como plausível a hipótese de o presidente abrir mão da reeleição não equivale a tomar como certa essa possibilidade. O quadro pode se inverter? É difícil, mas sempre pode, a campanha ainda não começou e ninguém foi posto à prova.

O retrato da pesquisa tampouco serve como reprodução antecipada e fidelíssima do resultado eleitoral. Mas, para o governo, o problema é que os números não representam só o instantâneo de um momento atípico de crise.

Os escândalos em sucessão de maio para cá tiveram o condão de acelerar a queda, mas não foram isoladamente os fatores determinantes para a perda paulatina e constante dos índices de popularidade do presidente e de confiabilidade na competência do governo.

De janeiro de 2003 a maio de 2005, antes da crise aguda, a aprovação de Lula havia caído de 83,6% para 60%. Nos últimos seis meses, desceu para 46,7%. A desaprovação era 6,8% no primeiro mês de governo e, dois anos e meio depois, estava em 32,4%, subindo para 44,2% de maio para cá.

Ou seja, há mais que o efeito das denúncias a ser contabilizado na queda de avaliação positiva. Portanto, é preciso muito mais que o simples fim das CPIs ou dos outros processos de investigação para sustentar uma recuperação significativa o bastante para garantir competitividade eleitoral razoavelmente segura ao presidente.

Sem essa segurança, Lula não vai.

E, na insegurança, é justamente como a oposição quer que ele vá.

Intervalo

A participação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, como protagonista da crise terá uma pausa. Para o governo já foram suficientes duas semanas de debate artificial em torno da política econômica e para a oposição não interessa desperdiçar munição agora. Melhor economizar para 2006.

Ao ministro tampouco sabe bem prosseguir nessa história de sair do ministério. Seria exigir muito de seu desprendimento acreditar que esteja disposto a perder o foro especial de Justiça nesta altura dos acontecimentos.


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