Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 26, 2005

EDITORIAIS de O ESTADO DE S.PAULO

Cedo para cantar vitória

O notável crescimento da economia argentina e, sobretudo, a espetaculosa queda do "risco país" nos últimos meses podem dar a impressão de que, tendo escolhido um caminho diferente do trilhado pelo Brasil, o governo argentino está em situação muito mais confortável do que a do brasileiro - o qual, além de envolvido em séria crise política, vê a atividade econômica do País reduzir o ritmo.

É significativa a melhora do ambiente econômico argentino, especialmente após a renegociação de sua dívida externa. É cedo, no entanto, para afirmar que a Argentina superou as dificuldades e começa uma etapa duradoura de colheita. São muitos, variados e graves os problemas que ainda precisam ser enfrentados e resolvidos, antes de cantar vitória.

O desempenho da economia é brilhante. Desde o início de 2003, o PIB argentino cresce em ritmo acelerado. Na comparação trimestral, a última queda do PIB foi registrada no fim de 2002. Assistia-se, então, ao fim de um longo processo de depressão econômica, que, em alguns períodos, chegou a registrar queda de quase 20% do PIB. De lá para cá, o crescimento tem sido contínuo e intenso.

Em quase metade dos trimestres decorridos desde o início de 2003, a expansão superou ou ficou muito perto de 10%. São números impressionantes, mas é preciso levar em conta que o crescimento se dá sobre uma base deprimida. A Argentina ainda não retornou aos níveis de produção registrados antes do início da crise.

Quanto ao "risco país", que mede a desconfiança com relação à capacidade de determinada nação honrar seus compromissos, o avanço é mais impressionante. Ainda no início deste ano, quando ainda não se concluíra a reestruturação da dívida, o risco Argentina estava em 6.500 pontos. Esse número indica que, se alguém estivesse disposto a emprestar para o governo de Buenos Aires, só o faria com uma remuneração que aos juros dos títulos do Tesouro americano de iguais condições se acrescentassem 65 pontos porcentuais.

Logo depois de concluída a renegociação, o risco caiu para 900 pontos. Nos últimos meses, caiu ainda mais, para menos de 400 pontos. Em alguns momentos, chegou a ficar inferior ao risco Brasil - fato que gerou entusiasmo entre os que, por ignorância da realidade do mercado financeiro ou por razões meramente ideológicas, se encantam com a idéia da moratória da dívida pública, recurso de que o governo argentino lançou mão para forçar a renegociação e redução de sua dívida.

É normal um país que deu calote e conseguiu estabelecer novas condições para pagar sua dívida ter sua avaliação elevada pelos credores. Tendo deixado de honrar seus compromissos, é muito pouco provável que, num período de cinco ou seis anos, volte a declarar-se em moratória. Os credores acreditam que, por um certo período, não correm sérios riscos, daí sua avaliação mais positiva sobre o país devedor.

Mas, mesmo tendo melhor avaliação, a Argentina não se livrou de dificuldades. Na renegociação, embora tenha reduzido substancialmente o valor de sua dívida externa, assumiu compromissos que precisam ser honrados. Eles são volumosos, e vencem no curto prazo.

Na proposta de Orçamento para 2006 que enviou ao Congresso, o governo Kirchner relacionou os vencimentos do próximo ano, entre amortizações e juros. Só para o FMI, os pagamentos somam US$ 2,017 bilhões. Para organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, são mais US$ 3,057 bilhões. Para os credores privados externos, são mais US$ 4,334 bilhões de principal e US$ 1,06 bilhão de juros. O custo dos novos títulos colocados no mercado será de US$ 664 milhões e a recompra de títulos exigirá mais US$ 360 milhões. Só aí são compromissos de US$ 11,5 bilhões. É mais do que o governo consegue economizar em um ano. Ou se rola parte da dívida a vencer ou se obtêm novas fontes de financiamento.

Sem ter resposta precisa para essa questão, o governo Kirchner agora se defronta com o problema da inflação. É provável que, em 2006, ela volte a superar os 10%. O fantasma de descontrole inflacionário pode voltar a assombrar o país.

Com tantos problemas, não há muito o que invejar na situação da Argentina.

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