Ontem foi provavelmente a quinta vez neste ano que o ministro Palocci acordou demitido pelo noticiário da manhã e terminou o dia fortalecido como ministro.
É notável a capacidade que tem de virar um jogo que perde por goleada. No entanto, como das outras vezes, não se pode afirmar que o processo de desgaste tenha acabado.
Não acabou porque o presidente Lula faz jogo duplo e não assume o comando de uma política que esbarra em divergências notoriamente irreversíveis dentro do governo.
Independentemente do mérito da política adotada, se a ministra Dilma Rousseff diz que o ministro Palocci está errado e se o ministro Palocci diz que a ministra Dilma está errada, alguém tem de desempatar esse jogo e decidir de uma vez por todas a linha a ser adotada.
O presidente Lula tem repetido que a divergência é democrática e saudável, o que reflete visão peculiar do que deva ser um governo. Mais do que isso, segunda-feira, deu a entender que a política econômica em curso pode ser malhada.
Ele teria razão se a queda de braço se mantivesse dentro de quatro paredes. No entanto, a partir do momento em que o desacordo sobre questões-chave de política econômica, como é a política fiscal (e não sobre enfeites de bolo); a partir do momento em que se tornou guerra de foice entre ministros - não há como evitar a contaminação do ambiente de confiança, que é condição necessária para o bom andamento da economia.
Como, então, as empresas e as instituições financeiras podem seguir planejando seus investimentos e tomar as decisões de longo prazo, se pairam dúvidas sobre o equilíbrio futuro das contas públicas e se as regras do jogo podem mudar da noite para o dia?
Quando não arbitra o que tem de ser arbitrado e quando deixa correr solto o processo de desgaste público do ministro da Fazenda, o presidente Lula está passando o sinal de que continua aberta a temporada de ataques à política econômica, ainda que ele próprio não queira coisas assim.
Ninguém está acusando a ministra de defender uma política irresponsável de execução de despesas públicas. A divergência está em quanto e dentro de que horizontes deve permanecer a formação do superávit primário, que é a parcela da arrecadação destinada ao controle da dívida. E também não se trata aqui de tomar o partido da política econômica do ministro Palocci.
O que se pede é unidade do governo em matéria tão delicada. Bastaria que houvesse clareza sobre o rumo a seguir, algo que não se assegura apenas com declarações aleatórias, mas que exige atitude.
Em política, o que parece é, dizia o ditador português António de Oliveira Salazar - e nisso ele estava certo. Importam menos aqui as convicções pessoais do presidente Lula sobre a matéria, que talvez sejam as de manter não só Palocci como, também, sua política. O que importa é o que parece. E o que está parecendo é que o presidente Lula, inseguro sobre seu futuro político, tende a adotar uma versão qualquer de populismo econômico para alavancar a preferência popular e bancar as eleições de 2006.
Outra vez, não se questionam aqui os malefícios do populismo econômico. Questiona-se a falta de determinação do presidente em fazer sua opção. Se prevalecerem as atuais condições, o impasse tende a acirrar-se, não importando quem ocupe as pastas da Fazenda e da Casa Civil.
FALHA NOSSA
A distância entre Paris e Pequim, em linha reta, é de 8,9 mil km e não 70 mil km, como saiu ontem nesta coluna. Mil desculpas pelo erro.