Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 23, 2005

ZUENIR VENTURA O futuro que chegou

O GLOBO
O futuro que chegou


Na apresentação de "Terror e êxtase", de José Carlos (Carlinhos) Oliveira, que acaba de ser relançado, Aguinaldo Silva chega à conclusão de que o melhor romance sobre o Rio de Janeiro atual é esse livro, escrito há quase 30 anos. "Nossos autores de hoje fogem, como o diabo da cruz, da cidade em que vivem", afirma o criador de "Senhora do destino", lançando algumas farpas: "E preferem escrever sobre Budapeste ou a Mongólia, mesmo sem ter lá estado".


Apesar de algumas gírias datadas — "saqualé", "saca essa", "não cansa a minha beleza", "estamos conversados", "putz", "de montão" — o romance é atual pelo tema, o amor-bandido. Uma menina da Zona Sul carioca, bonita, bem-nascida, apaixona-se pelo assassino e traficante "1001", assim chamado porque só tinha na frente os dentes caninos. Tempos depois, esses personagens deixaram o livro para freqüentar as páginas dos jornais.

Curioso como um cronista tido na época como politicamente "alienado", que escreveu grande parte de sua obra bebendo na varanda de um bar, tinha a premonição de nossa tragédia social. Em uma crônica sobre "Garrincha", um jovem delinqüente, ele diz que não temos futuro para oferecer aos garotos pobres. "Só pensaremos neles daqui a 20 anos, daqui a 50 anos, quando eles forem numerosos como ratos e agressivos como ratazanas bloqueadas pelo perigo."

Como Carlinhos previu, o futuro chegou. Se é verdade que a literatura não se interessa por ele, talvez seja não por falta de sensibilidade, mas por impotência. É como se a realidade tivesse se tornado mais irreal do que a ficção pode ser. Durante a I Guerra Mundial, desesperados diante do irracionalismo que se acreditava ter chegado ao máximo, artistas europeus criaram o dadaísmo, um movimento pelo absurdo e contra uma civilização que não conseguira evitar a barbárie da guerra.

Acho que só um dadaísmo tupiniquim poderia dar conta de apreender o nosso estado de coisas. Mesmo o jornalismo foi vencido pela violência. De tanto ter que noticiá-la, somos identificados com ela. Essa semana mesmo, enquanto a Secretaria de Segurança anunciava os índices de aumento de crimes — assalto a residências e a pedestres, roubo e furto de veículos, assalto a ônibus — a governadora Rosinha Garotinho continuava afirmando que os problemas da violência no Rio são exagerados pela imprensa. É o caso de perguntar às vítimas.

Em suma, acho que há de nossa parte também um cansaço pelo esforço repetitivo. A exemplo da polícia na sua luta contra o crime, também estamos enxugando gelo.

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