O GLOBO
Foram três pedidos de demissão. O primeiro, antes de ir para a CAE, semana passada; Palocci pôs o cargo à disposição. Depois da CAE, ele voltou a conversar com o presidente sobre o assunto. Lula pediu calma e disse que já havia falado com a ministra Dilma. No fim de semana, ela voltou a firmar sua posição. Antes da sanção da MP da desoneração fiscal, o ministro Palocci pediu demissão novamente, dando o motivo: "Acho que você quer mudar a política econômica." Lula negou. A conversa ficou inconclusa.
Palocci saiu do Palácio e voltou à Fazenda para uma reunião em seu gabinete, por isso chegou tarde à cerimônia da desoneração. Voltou ao Palácio carregando o peso dos últimos acontecimentos naquele semblante carregado e inusual. O ministro está sob ataque de todos os lados: dos colegas do Ministério, da pressão da campanha prematura, das investigações nas CPIs. Ele passou o dia ontem na Câmara e terminou a terça-feira convidado para depor na CPI dos Bingos.
Palocci tem falado com pessoas do governo que não tem medo de depor sobre irregularidades de Ribeirão Preto. Também não teme divergências internas. Acha que elas são salutares. O ministro acha ruim que as divergências fiquem explícitas no meio de uma onda de denúncias contra ele.
A desenvoltura com que a ministra Dilma Rousseff criticou a política econômica mostraria que ela foi autorizada a fazer o que tem feito. Isso o levou a dizer ao presidente Lula que a sua impressão era que o presidente queria mudar a política econômica. O presidente, na cerimônia de sanção da MP, defendeu de forma mais ardorosa a política econômica. O ministro na Câmara falou sobre essa atitude do presidente:
— Estou muito seguro. O presidente arbitra de forma democrática e segura e tem dito que não fará nenhuma aventura num momento eleitoral. O Brasil tem que parar de ter uma crise a cada eleição e isso se fará mantendo a política econômica — disse.
Nas conversas internas, o presidente Lula tem reclamado de o superávit primário ter chegado a 6% do PIB. Palocci se defende dizendo que o dinheiro tem sido liberado e que os ministérios estão com dificuldades em gastar, ou em pagar despesas já feitas, por causa das barreiras burocráticas.
Existem hoje R$ 6 bilhões nos caixas dos ministérios que não estão sendo gastos. Segundo a explicação dada por alguns ministérios, existem barreiras burocráticas que impedem que se execute o que foi liberado. Uma instrução normativa baixada pela área econômica aumentou essa dificuldade. O exemplo: as transferências voluntárias só podem ser feitas para estados e municípios que cumprem as emendas de gastos em Saúde e Educação. Só que é difícil controlar de Brasília quem está cumprindo essas obrigações.
Essa dificuldade de fazer as transferências voluntárias do governo federal detonou uma onda de pressões sobre a área econômica, como se ela fosse a única culpada. E a pressão não veio apenas dos aliados. O governador Aécio Neves esteve com o presidente Lula na segunda-feira protestando contra a não-liberação de recursos de um empréstimo do BID.
A ministra Dilma Rousseff não tem tanto apoio no governo quanto imagina. Os ministérios evidentemente querem gastar mais, mas ela tem sido criticada por ter errado na forma, no conteúdo e na hora da crítica ao ministro Palocci. O apoio que recebeu dos ministros é o reflexo de uma velha coalizão sobre a qual o ex-ministro Francisco Dornelles falou ontem:
— Em todos os governos da República, houve um momento em que todos os ministérios se uniram contra o ministro da Fazenda. Isso prova que o governo Lula não é original — comentou Dornelles.
O ministro Antonio Palocci, ao falar em defesa da política antiinflacionária, deu um exemplo pessoal do que é estar do outro lado:
— Fui prefeito de Ribeirão Preto durante dois anos sob a inflação alta. Não tinha que me preocupar com o orçamento porque a inflação ajustava tudo. Certa vez, dei um aumento salarial de 130% e o que parecia bondade era perda para os funcionários.
Sobre a briga com a ministra Dilma, falou várias vezes, com clareza:
— Algumas coisas que a ministra Dilma falou são antigas. Essas divergências existem desde 2003. Lido com elas com tranqüilidade. Não existe democracia sem antagonismos, mas, na minha visão, a coesão interna no governo é fundamental.
Palocci contou que teve longas conversas sobre a política econômica com o presidente Lula nos últimos dias:
— Vou colaborar com o presidente até ele achar que eu estou colaborando com ele e com o país.
A grande questão é o que o presidente acha. O ministro é o maior candidato a ser considerado o vilão na queda da aprovação e popularidade do presidente. A aprovação pessoal do desempenho de Lula caiu 20 pontos percentuais nos últimos nove meses. A avaliação positiva está em apenas 31%, depois de cair 12 pontos percentuais em nove meses. A popularidade e a avaliação do presidente estão em queda por causa da crise política. Tanto que 64,6% disseram que as denúncias de corrupção vão influenciar seu voto, segundo a pesquisa CNT/Sensus. Esse é o ponto. Mas é mais fácil acusar a política econômica em nome do "desenvolvimentismo" e mudar o ministro. Mais fácil do que apagar o rastro das irregularidades cometidas pelo PT e pelo governo desde seu início.
Entrevista:O Estado inteligente
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