A Argentina foi um pouco mais para a esquerda. Para a velha esquerda: a que acha que controle de gastos prejudica crescimento, que inflação alta não tem problema e que tem ardorosos defensores no governo Lula. A queda do ministro que salvou a Argentina do desastre teve um motivo insólito: Roberto Lavagna foi acusado pelo presidente Néstor Kirchner de não ter participado da campanha. Kirchner pôs uma chavista na Defesa e um ex-montonero na chancelaria. Três dos quatro novos ministros eram da Frepaso.
A Frepaso foi uma união de partidos de esquerda organizada no fim dos anos 90. A nova ministra da Economia, Felisa Miceli, foi da Frepaso. Ela, a "soldado kirchnerista" terá que enfrentar algumas batalhas: combater a inflação que já está em 12% ao ano e evitar o descontrole dos gastos de um presidente que disse, na semana passada, uma frase que faria muito sucesso com alguns integrantes do governo brasileiro: "Para mim, gasto é investimento." É até melhor do que a máxima dilmista de que "gasto corrente é vida".
O que houve na Argentina foi apenas um movimento num xadrez que, nos próximos 12 meses, verá muitos movimentos nas pedras. América Latina e Caribe terão 12 eleições presidenciais e 13 eleições legislativas até dezembro do ano que vem. Começa domingo com Honduras; em dezembro também haverá Chile, Bolívia e Haiti; em fevereiro, Costa Rica; em abril, Peru; em maio, Colômbia; em julho, México; em outubro, Brasil e Equador; em novembro, Nicarágua e, em dezembro, Venezuela. No meio dessas, várias eleições legislativas.
A América Latina fará uma grande guinada à esquerda, ou apenas uma mudança suave? A segunda resposta é a mais provável. No Chile, a candidata socialista, Michelle Bachelet, continua na frente. Ela é considerada apenas uma continuidade do presidente Ricardo Lagos, que a apóia. Michelle caiu um pouco nas pesquisas, deve ir para segundo turno, mas continua bem na frente do candidato de direita Joaquín Lavín, que foi derrotado por Lagos na última eleição. No Chile, questões como estabilidade monetária e fiscal não são pontos de discórdia. Michelle foi militante de esquerda, viveu no exílio, teve seu pai, militar, assassinado por Pinochet. No governo Lagos, foi ministra da Defesa e de lá saiu para ser candidata, sem nunca ter concorrido em outra eleição.
Na Bolívia, a eleição foi adiada, mas acontece ainda em dezembro. O candidato que está na frente é o líder cocaleiro Evo Morales, que tem 33% das intenções de votos. O cientista político Marcelo Coutinho, do Iuperj, acha que a vantagem pode ser bem maior porque a pesquisa não vai nos grotões, onde Morales tem mais simpatia. O segundo colocado, Jorge Quiroga, está com 27%. Se for eleito, Morales será o primeiro político de origem indígena a chegar ao poder no país. Ele tem moderado muito o discurso para se tornar um candidato mais viável e tem falado, sempre, na grande influência que o presidente Lula tem sobre ele. Lá o segundo turno é no Congresso; Morales precisa mesmo ter um discurso moderado.
Há dois fantasmas do passado de volta nestas eleições: Alan García, no Peru, e Daniel Ortega, na Nicarágua. García pode ser derrotado por uma mulher, a segunda com chance nestas eleições: Lourdes Flores Nano. As pesquisas têm dado resultados bem diferentes. A mais ampla dá um empate técnico entre os dois. Lourdes Flores é da direita cristã.
Na Colômbia, Álvaro Uribe deve ser reeleito e na Venezuela ninguém duvida das chances de reeleição de Hugo Chávez. Na análise do Observatório Político Sul-Americano, do Iuperj, dificilmente haverá um candidato capaz de vencer Uribe, que tem conseguido reduzir a violência no país. Na Venezuela, a oposição está muito enfraquecida e Hugo Chávez virou uma liderança incontrastável.
No México, o que parecia uma eleição certa do candidato de esquerda Andrés Manuel López Obrador está ficando um pouco mais embolada. Algumas pesquisas estão mostrando que o candidato do PAN, de Fox, Felipe Calderón, está avançando, passando o candidato do PRI, Roberto Madrazo. O problema de Madrazo é a rejeição alta; o de Calderón, é ser pouco conhecido no país.
De todas as eleições, as que realmente importam são as do Brasil e do México, diz a revista "The Economist". E as duas estão bem emboladas, a do Brasil, principalmente, em que nem se sabe ainda os nomes dos candidatos.
Mas o que significam estas eleições? A América Latina vai mais para a esquerda? Pode ser que sim, pode ser que não, mas isso não importa. Hoje essas divisões nem fazem muito sentido. O que preocupa é mesmo o populismo fiscalmente irresponsável que às vezes se apresenta como sendo de esquerda. Hugo Chávez, por exemplo, só engana os desavisados com seu discurso antiquado de antiamericanismo. No caso de Evo Morales, o temor é ele fazer da Bolívia um narcoestado. No Peru, Alan García foi o fracasso do populismo.
Qualquer que seja o resultado das urnas, o importante é que elas existem e se espalham por toda a América Latina, que foi campo de prova de todo o tipo de autoritarismo dos anos 60 aos anos 80. Felizmente, aquele pesadelo passou e a maratona eleitoral dos próximos 12 meses vai redesenhar o mapa político da região através de sua excelência, o voto.