Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 24, 2005

Alberto Tamer E os chineses chegaram...

OESP

Uma missão oficial chinesa está no Brasil para dar continuidade às negociações entre os dois países, entravadas na triste viagem de Furlan a Pequim há quase 2 meses, quando o ministro não contou nem com o apoio de Brasília, onde ninguém se entendia e ninguém sabia o que fazer... Agora, parece que o governo já sabe. Temos como arma principal e talvez única as salvaguardas que os EUA usaram com sucesso para obter um acordo com os chineses. Esperamos só que se abandone a linha leve e se negocie com ousadia; os chineses vão fazer o que sempre fazem, protelar o máximo e, se soubermos agir, ceder só na undécima hora. Enquanto isso, sem as salvaguardas, continuarão inundando o mercado brasileiro, sufocando empresas e extinguindo empregos.

Não se trata só das indústrias têxtil e de calçados, mas de outros setores que vão desde ferramentas, ótica e transporte. São setores nos quais a China tem grande poder de competir e, armada com preços irrisoriamente baixos, está competindo agressivamente em outros países como a Europa e os EUA.

Só que eles já reagiram e conseguiram muito, enquanto o Brasil lentamente cria comissões ministeriais.

A BOA-FÉ QUE NÃO EXISTE

Quando a China foi aceita na OMC, o governo esperava que haveria uma nova abertura para o Brasil, mesmo porque prometeu reconhecer o país como economia de mercado, o que, decididamente ainda não é e nem lhe convém ser. Triste ilusão, desfeita pelo realismo chinês; em sinal de "gratidão", continuaram não só a dificultar sempre que podem as nossas exportações, como aumentaram a competição com o Brasil nos mercados em que tínhamos vantagens comparativas. E os chineses estão certos, nós é que erramos acreditando em boa-fé, algo que não há em questões de comércio, onde primam interesses e a habilidade de negociar. E eles se tornaram mestres nisso.

PRECEDENTE QUE NOS AJUDA

Como tem agido a China com outros países em situações semelhantes? Dá para esperar algo desse encontro? Para uma avaliação de cenários, a coluna entrevistou um advogado especializado em comércio internacional, Rafael Benke, que trabalhou na OMC, na OEA e na Secretaria de Comércio Exterior. Hoje assessora empresas.

Perguntamos como ficaram as negociações finais entre a China e os EUA, invadidos também pela onda avassaladora que inunda o mercado americano com produtos têxteis chineses, que vão desde simples peças íntimas, luvas, camisas, meias, até vestidos imitando com perfeição a alta-costura.

"Na semana passada, EUA e China anunciaram a conclusão de um acordo de restrição voluntária na área têxtil e de confecção, algo que o Brasil estaria em busca nas conversações atuais. Esse foi um precedente importante que pode servir de parâmetro para o que estaremos negociando, agora.".

Dá para oferecer pormenores? "O acordo abrange 34 categorias de produtos têxteis e de vestuário que representam cerca de 33% do comércio nesse setor entre EUA e China. Para esses produtos ficaram estabelecidos limites de quantidade de importação e limites de crescimento anual dessas cotas, que variam de 5,5 a 17%."

SALVAGUARDAS, A ARMA

Os EUA têm grandes investimentos na China. "Mas isso não os impediu de levarem as negociações muito a sério; acima de tudo, despolitizaram o assunto com a aplicação de salvaguarda, instrumento oferecido pela OMC; ao mesmo tempo, deixaram aberta a possibilidade de restrições voluntárias."

OS DOIS GANHARAM

Benke ressalta que, "no entanto, ambas as partes tiveram ganhos. Para os chineses, as salvaguardas poderiam ser mais restritivas que os acordos, pois prevêem um crescimento máximo de 7,5% ao ano para certos produtos. Do lado americano, havia cerca de 10 categorias para as quais seria tecnicamente difícil aplicar as salvaguardas. Assim, a inclusão dessas categorias entre as 34 abrangidas pelo acordo foi algo muito vantajoso para os EUA."

Outro ponto a destacar: os EUA conseguiram manter o direito de aplicar as salvaguardas para produtos não abrangidos pelo acordo. "Isso é fundamental, pois a abdicação das salvaguardas seria negativo para surtos em outros produtos; ficariam desprotegidos."

E como fica para nós? "Para o Brasil, esse aspecto tem grande relevância porque não é só o setor têxtil que pleiteia restrições, mas também outros, como os de produtos óticos, pneus, máquinas, eletroeletrônicos, brinquedos, ferramentas, materiais de transporte."

E Benke conclui:

"É bom lembrar que na medida que os EUA e a Europa aplicam medidas restritivas para produtos chineses, esses produtos terão de buscar outros mercados, incluindo-se aí o Brasil. Aqui temos um grande alerta não só para a indústria têxtil, mas principalmente para o governo, que agora mais do que nunca tem de acelerar a busca de uma solução sustentável."

Aí estão os cenários e as armas. Agora, é avançar. Este ano está perdido e nós é que perderemos muito se os chinesescontinuarem protelando.

E-mail: att@attglobal.net


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