Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 30, 2005

EDITORIAIS DA FOLHA DE S PAULO

UM NÓ A SER DESFEITO
O "setor público consolidado", que reúne governo federal, Estados, municípios e empresas estatais, realizou de janeiro a outubro um superávit primário (saldo entre receitas e despesas sem considerar pagamento de juros) de R$ 95 bilhões -equivalentes a 6% do PIB. O resultado foi superior à meta definida para este ano, de 4,25%. Esse aumento da retenção das receitas fiscais é o pomo da discórdia entre os ministros Antonio Palocci e Dilma Rousseff, num atrito que reflete interesses político-eleitorais de ocasião, mas também questões de fundo, relativas aos rumos a serem seguidos pela economia brasileira.
A persistência do processo de ampliação de receitas realizado por meio de seguidos aumentos na arrecadação tributária e contenção de investimentos (enquanto as despesas correntes, que envolvem itens como Previdência e salários, tendem a crescer) pode comprometer o desempenho futuro da economia.
O aumento do superávit tem sido realizado para permitir o pagamento de parcela dos gastos crescentes com juros da dívida pública, que alcançaram R$ 133,5 bilhões (8,4% do PIB) nos primeiros dez meses do ano.
Em síntese, o Estado brasileiro gasta mal, o alto patamar dos juros pressiona o endividamento e o ajuste fiscal é exacerbado para evitar o aumento da relação entre dívida e PIB -situação que gera efeitos colaterais inibidores do crescimento. Como desfazer esse nó?
Não há uma resposta trivial, mas o debate vai se intensificando com a discussão de propostas como as apresentadas pelos economistas Delfim Netto e Fábio Giambiagi e pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. Sem descer aos detalhes desses planos, o melhor caminho é associar uma sinalização de equilíbrio fiscal de longo prazo a medidas que possam induzir ao alongamento dos títulos da dívida pública e diminuir o estoque de papéis pós-fixados, com o objetivo de permitir a redução das taxas de juros reais.
Da mesma forma que o país se debruçou sobre a necessidade de debelar a inflação, chegando ao Plano Real, é preciso enfrentar as distorções atuais, que impõem amarras à economia, impedindo-a de atingir taxas de expansão compatíveis com seu potencial e semelhantes às de outras nações emergentes.

EVOLUÇÃO ESTATÍSTICA
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada na semana passada, trouxe aspectos positivos referentes à renda dos brasileiros, que foram potencializados por um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontando redução da miséria no país.
O governo, obviamente, festejou os resultados, mas eles precisam ser contextualizados e analisados com cautela. A melhora na distribuição de renda apontada pela Pnad está longe de sinalizar uma tendência de mudança estrutural nos padrões de desigualdade do país.
Em primeiro lugar, o que aconteceu foi uma interrupção do declínio da renda média do trabalhador, que caiu 18,8% desde 1996. Em 2004, num contexto de recuperação econômica, ela ficou estagnada em R$ 733.
Todavia, a renda média cresceu 3,2% na metade dos trabalhadores que ganham menos e caiu entre os que ganham mais. Esses movimentos, juntamente com o recuo da inflação e o aumento real do salário mínimo, melhoraram a distribuição.
O índice de Gini, que mede a concentração de renda, passou de 0,554 em 2003 para 0,547 (quanto mais próximo de zero, melhor é a distribuição). O indicador tem melhorado timidamente desde 1993, em grande parte em razão da queda de rendimento de setores de maior renda. De 1996 a 2004, a renda média dos 10% com maiores ganhos caiu 22,7%.
Quanto à diminuição da miséria, apurada pela FGV, num estudo que dá margem a discussões metodológicas, ela parece apenas refletir um ano de crescimento econômico e expansão de programas de renda-mínima, depois de um 2003 de estagnação e aumento da pobreza.
Em resumo, a Pnad e a FGV indicam uma evolução, mas ela se verifica em ritmo bastante lento, com efeitos positivos mais visíveis no exercício estatístico do que na vida real.

KIRCHNER SE FORTALECE
 
O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, aproveitou o fato de que teria de fazer mudanças em seu ministério para dispensar o titular da Economia, Roberto Lavagna, e aumentar sua influência nessa área estratégica do governo. As trocas eram necessárias porque vários ministros conquistaram mandatos no pleito de outubro, no qual a Casa Rosada se saiu bastante bem.
Lavagna sai não porque tenha se tornado um parlamentar ou a economia esteja indo mal, mas para permitir ao presidente controlar mais de perto o rumo das finanças argentinas. Ele era uma herança do governo anterior. Em 2002, para acalmar os mercados, Kirchner se viu compelido a anunciar que o manteria.
Foi só agora, após o êxito nas legislativas, e já com um cenário econômico bem mais favorável, que o presidente se sentiu forte para removê-lo. Em seu lugar entra Felisa Miceli. Em termos ideológicos, ela é bastante próxima a Lavagna, mas tem pouca projeção política, de onde se infere que ficará mais sujeita às influências e humores do presidente. As outras substituições no gabinete seguem nessa mesma linha.
Kirchner parece disposto a consolidar sua força também no plano externo. Depois de ter assistido às movimentações de um Lula em campanha aberta por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, o mandatário argentino aproveita agora o mau momento do presidente brasileiro para acenar com uma aliança com a Venezuela de Hugo Chávez.
O caudilho de Caracas, subitamente enriquecido pela alta internacional do petróleo, deverá associar a Venezuela ao Mercosul já em dezembro. Juntos, Kirchner e Chávez podem mais do que sozinhos para contrapor-se ao protagonismo que o Brasil exerce no bloco. A dificuldade, como sempre, é confiar em Chávez. Com uma única frase, ele pode destruir meses ou mesmo anos de intensas negociações diplomáticas.


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