Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 26, 2005

Corrupção ontem e hoje ZUENIR VENTURA

O GLOBO

Que diferença de discurso existe no Brasil entre um partido que foi governo e hoje é oposição e aquele que hoje é governo, mas já foi oposição? Nenhuma. Ou muito pouca. Por exemplo, de quem é a afirmação: "A leviandade da imprensa e o golpismo sem armas da oposição estão criando um clima de fascismo e terror"? Se você respondeu que a frase é de Lula poderia ter acertado, se ela já não tivesse sido pronunciada por Fernando Henrique em maio de 2001, numa entrevista a Tereza Cruvinel.

O então presidente reagia indignado às acusações que lhe fazia a oposição e se queixava em especial do programa eleitoral em que o PT investia contra a corrupção mostrando ratos roendo a Bandeira Nacional. "Essa imagem foi usada por Hitler", rebateu. O curioso é que se aparecesse hoje no mesmo espaço, soaria como gafe, como auto-ironia involuntária dos petistas. Por isso é que quando se acusam mutuamente de incoerência e destempero verbal, as duas partes têm razão.

Recomenda-se aos políticos de um e outro lado uma visita àquele momento em que, como agora, o país se preparava para mais uma eleição. Preocupados com a escalada de denúncias, classificadas pelo governo passado de "denuncismo", intelectuais e cientistas sociais travaram acalorados debates sobre ética. Enquanto FH era acusado de liberar verbas para atender a emendas parlamentares e assim evitar a CPI da Corrupção, o filósofo José Arthur Giannotti, seu amigo, afirmava em artigo que a moral política é regida por regras próprias, dentro das quais existe uma "zona cinzenta de amoralidade". Reivindicava um "espaço de tolerância para certas faltas" e considerava "despolitizante" a "onda moralizadora" que percorria o país.

A oposição dizia exatamente o contrário. Indignado, o PT defendia a ética com o mesmo ardor com que a oposição empunha hoje a bandeira da moralização, donde se conclui que o neo-udenismo dispensa ideologia: troca de camisa como troca de mão o dinheiro público. Enquanto se subordinar a luta pela decência política às conveniências eleitorais, ou seja, enquanto a ética for pretexto e combustível para as campanhas partidárias, o país não será passado a limpo, como se diz, e a tão buscada regeneração moral não passará de cruzadas moralistas.

Pelo jeito que as investigações caminham, ou melhor, pelo andar da carruagem, que é o ritmo em que avança a reforma de nossas práticas e costumes políticos, vamos ter daqui a pouco e de novo daqui a quatro anos os mesmos discursos, as mesmas denúncias, as mesmas acusações, com troca apenas de papéis e posições, num repetitivo eu sou hoje você amanhã.

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