Iolanda não tem antecedentes criminais, vive com a aposentadoria de R$ 300 e possui residência fixa em Campinas. Segue encarcerada por decisão do juiz José Guilherme Di Rienzo Marrey. Ele a enquadrou na lei de crimes hediondos, que confisca ao acusado o direito de aguardar o julgamento em liberdade.
Em julho, a polícia encontrou na casa em Campinas 19 pedras de crack (cerca de 17 gramas). Presa com um filho, ela se diz inocente. Dois pareceres da promotoria recomendaram que se concedesse a Iolanda o benefício da liberdade provisória. Mas o juiz é durão.
O advogado Rodolpho Pettená Filho, com a ajuda da Pastoral Carcerária, tem feito o possível para encerrar o drama. Além da liberdade provisória, tentou o relaxamento da prisão por falta de provas, o indulto humanitário e a prisão albergue domiciliar. Encaminhou ao Tribunal de Justiça de São Paulo um pedido de habeas-corpus. Todos os apelos foram rechaçados.
Um dos recursos evocou um caso recente: "Seria injusto recusar a liberdade a alguém nessas condições quando se concedeu liberdade por razões humanitárias ao sr. Paulo Maluf e a seu filho, cujas condições de saúde não podem ser consideradas piores que as de dona Iolanda." A Justiça deve ter achado impertinente o paralelo. Analfabeta, a mulher que sobreviveu como bóia-fria e catadora de papelão não sabe o que significa "crime hediondo" nem lembra direito quem é Maluf.
Filhos e netos se revezam nas visitas, mas Iolanda quer rever todos juntos. "Que Deus faça eles terem dó de mim", balbuciou ao despedir-se do repórter. Não deve esperar misericórdia do juiz. Marrey acredita que a cancerosa quase octogenária tem recebido tratamento adequado. (Quando as dores aumentam, engole analgésicos.) E nenhuma doença, segundo o juiz, vale mais que os códigos decorados no curso de Direito: "Enquanto a lei estiver em vigor, terei de aplicá-la."
Marco Aurélio de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, qualifica de "socialmente inaceitável" a prisão da Iolanda. A interpretação do texto legal é "um ato de vontade", argumenta o jurista. "Não dá para carimbar com a lei todas as situações como se fossem iguais", ensina o ministro que não faz o que diz.
Na semana passada, o mesmo Marco Aurélio favoreceu o deputado José Dirceu com a ladainha exasperante: era indispensável respeitar o "devido processo legal". No Conselho de Ética da Câmara, a banqueira Kátia Rabelo informou que o lobista Marcos Valério era "um facilitador" de audiências com Dirceu. Mas as testemunhas de defesa arroladas pelo deputado haviam sido ouvidas, e a lei manda que falem por último. Portanto, os amigos de Dirceu precisam depor de novo.
Caso interpretasse o texto legal com seriedade, Marco Aurélio dispensaria a reprise: as três testemunhas - o ministro Márcio Thomaz Bastos e os deputados Aldo Rebelo e Eduardo Campos - já informaram que só conheceram Marcos Valério depois da chegada do lobista ao noticiário político-policial. Mas o ministro agiu como escravo da lei. Como o juiz de Campinas.
"É preciso garantir o direito de ampla defesa", repetiu Marco Aurélio. Dirceu está liberado para defender-se há quatro meses. Há quatro meses começou o calvário da brasileira Iolanda Figueiral.
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