Para segurar Palocci no governo, e não
anuviar ainda mais 2006, PSDB e PFL
tentam baixar a temperatura da crise
Marcelo Carneiro
Joedson Alves/AE | Beto Barata/AE |
A ARTE DO CONCHAVO |
No último dia 15, véspera do depoimento do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o senador Antonio Carlos Magalhães recebeu um telefonema do secretário executivo do Ministério, Murilo Portugal. Remanescente da administração tucana e hoje braço-direito de Palocci, Portugal propôs um encontro ao pefelista baiano, que prontamente o aceitou. Acompanhado do tucano Tasso Jereissati, eleito na semana passada presidente nacional do PSDB, ACM recebeu o secretário para jantar em sua casa na mesma noite. Portugal foi direto ao assunto. Às duas principais lideranças de oposição ao governo no Senado, afirmou que a permanência de Palocci à frente do Ministério da Fazenda dependia do comportamento dos parlamentares que iriam inquiri-lo no dia seguinte na CAE. O secretário informou ainda aos senadores que, caso o ministro deixasse o governo, toda a sua equipe estava decidida a segui-lo – ele, Portugal, incluído. Ou seja, o plano B considerado pelos oposicionistas – sai Palocci, entra Murilo Portugal, e a política econômica permanece igual – acabava de fazer água. Isso exposto, Portugal recebeu dos senadores a promessa de que seu chefe não seria incomodado no depoimento. O trato foi cumprido. Durante as dez horas que durou a inquirição do ministro, parlamentares do PSDB e do PFL o trataram com a fidalguia que dedicariam a um correligionário: nenhuma pergunta sobre as denúncias de Rogério Buratti, ex-assessor do ministro, foi feita por eles. Palocci, como sempre, saiu do depoimento melhor do que entrou, e a oposição sentiu-se no comando do espetáculo.
Em outra bem-sucedida manobra arquitetada pelos mesmos personagens – e que também contou com a participação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso –, a convocação de Palocci para depor na CPI dos Bingos foi transformada em "convite". A operação, costurada nos bastidores, reverberou também em público. Na terça-feira passada, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, defendeu em entrevista a permanência de Palocci no governo. "A não ser que surjam fatos novos e fora do controle, a presença do ministro é importante para o Brasil", disse.
Os esforços dos caciques da oposição para preservar o cambaleante ministro da Fazenda têm três explicações – e todas elas convergem para um mesmo horizonte: as eleições presidenciais de 2006. A oposição não quer ser responsabilizada pela queda do único pilar que sustenta o governo petista. Na avaliação de seus principais integrantes, Lula – que no início da semana havia dado declarações dúbias a respeito da disputa entre Palocci e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff – teria abandonado o ministro à própria sorte. Se contribuíssem para precipitar sua queda, os líderes da oposição estariam fortalecendo setores do governo ávidos por dar seguimento à sanha da ministra Dilma de fazer sangrar os cofres públicos. Nesse caso, estariam contribuindo também para a instauração do caos – pelo qual temem ser responsabilizados mais tarde. "O governo estava criando um cadáver político e queria jogá-lo no nosso colo", diz um senador que participou das articulações para a blindagem do ministro.
O segundo motivo pelo qual os senadores do PSDB e do PFL tentam segurar Palocci vem sendo chamado por eles de "manutenção da governabilidade". Não propriamente a de agora – mas a de 2007, quando a oposição espera estar no Planalto. O comportamento pacifista de integrantes da oposição foi influenciado também pela avaliação de que a crise política atingiu a todos – o que fatalmente terá repercussão na composição do próximo Congresso. O cálculo é o seguinte: uma guerra de aniquilação contra o PT e aliados pode produzir tamanho ódio que os parlamentares das legendas de esquerda eleitos no ano que vem formarão uma bancada com o objetivo único de inviabilizar o novo governo. Com base no passado desse pessoal, esse cenário é bem real.
"Sete entre dez eleitores brasileiros não têm nenhuma preferência partidária. A crise política só fez agravar essa tendência de menosprezo aos partidos", diz Ricardo Guedes, diretor do instituto de pesquisas Sensus. Pelas contas mais otimistas, a legenda que conquistar a Presidência não conseguirá fazer mais do que 100 deputados na Câmara. Com isso, o partido que ganhar as eleições do ano que vem terá de trabalhar duro para compor uma maioria no Congresso e aprovar os projetos de interesse do futuro governo.
Quaisquer que sejam os argumentos alegados pela oposição para afagar Palocci, portanto – responsabilidade, governabilidade atual ou necessidade de composição no futuro –, eles apontam para um mesmo objetivo: pavimentar o caminho para as eleições de 2006. O risco de uma articulação desse tipo é que seus mentores, em nome de interesses puramente partidários, permitam um acordo que acabe poupando os mensaleiros da base aliada e seus financiadores. Sabendo como é tênue a linha entre a conciliação (presente no DNA da política brasileira) e o conchavo (idem), toda vigilância é pouca.