O Globo
Setembro terminou com um saldo extremamente favorável. Em outros tempos, ninguém acreditaria que esse foi o mês em que o ex-presidente de um partido da base foi cassado e em que o presidente da Câmara dos Deputados caiu. A Bolsa bateu recordes, fechando com 12% de alta; o real se valorizou 5,8%; o risco caiu de 412 para 344; o saldo comercial será mais de US$ 4 bilhões; o relatório de inflação confirma a expectativa de queda de juros de 0,5% e o mercado terminou o mês certo de que as agências de risco vão melhorar a nota do Brasil.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, liquidou ontem a dúvida que surgiu nos últimos dias: não se filiou a nenhum partido. Segundo me disse, antes de comunicar publicamente essa decisão, precisava falar com cada partido que o convidou as razões que o levam a se concentrar unicamente no trabalho do Banco Central.
Setembro fecha com um claro sinal de que o real pode estar valorizado demais. Só este ano, teve uma valorização de 20%. Em 2004, o real subiu também bastante em relação ao dólar, mas foi mais efeito do dólar, que caiu em relação a todas as moedas. Agora é diferente, porque a moeda americana se recuperou diante da maioria das moedas, mas continuou caindo no Brasil. No mercado, os analistas não acreditam que o real possa cair nos próximos meses. É bem verdade que, nos últimos dias, parte da queda do dólar foi atribuída à briga entre vendidos e comprados no mercado futuro. A queda-de-braço se intensifica nos últimos dias do mês. Mesmo assim, a médio prazo, ninguém vê o dólar subindo de forma mais consistente. O Bradesco, no seu Boletim Diário, disse que o real vai continuar se apreciando.
Nilson Teixeira, economista-chefe do CSFB, também não vê grandes chances de a moeda se depreciar nos próximos 12 meses. Para ele, poucos fatores podem influenciar — se influenciarem — na depreciação do câmbio no futuro: se houver um aumento expressivo da taxa de juros nos EUA, o que poderia tirar capital dos países emergentes, e uma queda no comércio mundial, derrubando os preços das commodities. Por aqui, uma inversão de tendência só se o Banco Central mudar a política de ficar fora do mercado de câmbio. Mas o que o BC informou ao mercado foi que comprou os dólares necessários aos compromissos externos de 2005 e já comprou US$ 4 bilhões para os compromissos do ano que vem.
Portanto, o sinal é de real subindo. Isso apesar de serem muitas as contas que mostram que ele está muito valorizado. Essas contas são sempre controversas, porque tudo depende de como se faz e do período escolhido para fazê-las.
— Se olharmos os modelos estatísticos, o câmbio está, de fato, apreciado, entre 15% e 25%, dependendo do método que se use. Mas, diante do excelente desempenho das exportações, pode-se dizer que há algum erro dos modelos. Nesse caso, acho que o real está apenas um pouco sobrevalorizado — diz Nilson.
O real tem aumentado seu valor em relação a várias outras moedas. Comparando à cesta de moedas, está 16% mais valorizado que a média de 1999-2004, sendo que, só em setembro, foram 5% de valorização. A explicação para isso, em parte, está nas altíssimas taxas de juros brasileiras. Este ano, diferentemente do ano passado, o dólar não está se desvalorizando e, sim, se valorizando. Na comparação com a cesta de moedas, o dólar subiu 10,7%. Em relação ao Euro foram 12,7%.
No passado, era assim: real forte, exportação fraca. Agora tudo está mais complicado. Na conta de Alexandre Maia, da Gap Asset, o preço das commodities está, em média, 22% mais alto que a média 99-2004. Isso favorece o Brasil:
— A insensibilidade da balança comercial ao câmbio é menos misteriosa do que parece. A variável chave tem sido o vigor da economia — analisa.
Ricardo Amorim, do WestLB, também acha que a apreciação acontecida nos últimos dois anos vai continuar nos próximos meses causando um "saudável reequilíbrio" da demanda no país. Ele acha que o real mais forte ajuda a reduzir o preço dos componentes importados "forçando os produtores locais a se tornarem mais produtivos".
O pesquisador do Ipea Marcelo Nonnenberg acha que é possível ver por outro ângulo os números fortes da balança comercial:
—- Não é que o câmbio tenha deixado de ser importante, mas as exportações respondem a vários fatores. A pergunta que se tem que fazer, neste quadro, é: se o câmbio estiver a R$ 3, em quanto elas teriam crescido?
Ele também acredita que a tendência é o real continuar se valorizando a não ser que haja o que considera pouquíssimo provável: a queda forte na taxa real de juros no Brasil.
Setembro termina deixando uma coleção de números bons que amorteceram as aflições da crise política. Nos próximos meses, os juros estarão caindo, a inflação terá números maiores do que nos meses anteriores, mas estará caindo no acumulado de doze meses. E o dólar estará estável no nível baixo. Diante desse quadro e da vitória na Câmara dos Deputados, o governo vai se convencer de que está tudo resolvido. Será outro dos seus erros.
Entrevista:O Estado inteligente
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