Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 18, 2005

DORA KRAMER O pior do brasileiro

o estado de s paulo

Em 2006, eleitor dirá se o Brasil ainda aceita dar ao mundo lições de lassidão ética Na espontaneidade do ambiente familiar e festivo das comemorações de seu 50º aniversário, Delúbio Soares sábado disse o que realmente pensa a respeito dos "erros" cometidos pelo PT na administração política e financeira das atividades do partido nos últimos anos.

"É só ter calma. Em três ou quatro anos tudo será esclarecido e esquecido", afirmou ao jornalista Expedito Filho, do Estado. Nesse período, confia o ex-tesoureiro ainda militante ativo do PT, as denúncias ora em processo de investigação acabarão virando "piada de salão".

Portanto, na concepção do ex-tesoureiro, não se trata de corrigir rumos nem de revisar procedimentos a partir da ótica do alegado arrependimento pelos "descuidos" cometidos. Trata-se, isto sim, de lançar mão de toda paciência e esperar que as coisas caiam no esquecimento para que a vida possa prosseguir como dantes na base do vai na valsa neste mundo de meu Deus (nos acuda).

Não se trata de aprender com o castigo, mas de exercitar a capacidade de transformar o crime em razão de pilhéria. Trata-se de brincar e esperar da sociedade a mesma disposição de fazer das próprias deformações motivo de troça.

Afinal, no diapasão de fornecer aos outros países "lições" como o combate ao surto de aftosa e a arte de funcionar com "três CPIs ao mesmo tempo", o Brasil também possa servir de exemplo no campo da autodepreciação bem-humorada.

Delúbio falou de sua fé numa gente alegre, ligeiramente leviana, muito pouco propensa a se dar ao respeito.

Uma gente de quem se pode abusar porque tem memória curta, não lê, não sabe votar, não sabe discernir, é desinformada, se deixa facilmente enganar e, dos governantes, espera mais camaradagem que eficiência, mais "carisma" que seriedade, mais condescendência que firmeza no trato das questões públicas.

Delúbio Soares pretendeu-se, com sua análise das circunstâncias, um observador arguto da alma brasileira.

Diga-se em favor dele - à luz do critério da infração amenizada pela coletivização da prática -, que, assim como no uso do uso do caixa 2 e na adoção do lema segundo o qual qualquer meio justifica o fim, não está sozinho nessa lógica de conduta e pensamento.

O governo, aqui traduzido na figura do presidente da República, faz o mesmo. Adota valor semelhante, aposta no mito do herói mau-caráter quando quer estabelecer o fim da crise por decreto de vontade unilateral.

Exibe crença inabalável na ausência de princípios quando à vista de malfeitores que lhe servem com apoio, presta-lhes solidariedade com palavras e cheques em branco sem temer repreensão social.

O ministro Jaques Wagner segue a toada quando compara o uso do caixa 2 ao jogo do bicho, imprimindo a ambas infrações uma inocência que nenhuma das duas têm.

Os chefões do bicho (quem viveu a vida no Rio de Janeiro assistiu de perto à evolução nefasta da leniência com a contravenção) eram celebrados na condição de benfeitores do "samba" e patronos de carreiras políticas, enquanto suas atividades serviam de fachada para lavagem de dinheiro, tráfico e assassinatos.

Foram a matriz da criminalidade tal como se apresenta hoje em seu figurino aterrador, mas em seus primórdios ela foi alimentada pelo mesmo tipo de lassidão vista agora nas considerações em defesa da aceitação tácita dos financiamentos paralelos de campanha.

Nos anos 70 e 80, a condenação moral desse tipo de procedimento também era recebida como manifestação de farisaísmo, bem como a reprovação firme à glamourização do tráfico era interpretada como sinal de conservadorismo, não raro de intolerância social.

O preço (caríssimo) da cumplicidade é pago pelo conjunto da sociedade, que talvez já tenha - ao contrário do que transparece na sem-cerimônia do PT com sua adesão aos atalhos da facilidade - aprendido a pensar diferente.

Ainda é cedo para atestar se Lula, Delúbio e portadores da síndrome de Macunaíma em geral (residentes em todos os partidos) estão certos ou errados. O teste da condenação ou aprovação da falta de ética na política não são as pesquisas de opinião.

O desempate dar-se-á ao longo do ano que vem, no desenrolar das campanhas, cujos pontos de interesse de destaque serão definidos conforme a demanda do eleitor.

Poderemos então observar se o brasileiro continuará querendo dar "lições ao mundo" de frouxidão moral, exibindo-se talentoso para rir de seus defeitos, ou se vai dizer chega.

Pode ser que resolva sair do atraso e começar a reforma política pelas próprias mãos. Se for assim, Delúbio Soares terá se equivocado em suas previsões de que seu país é formado por uma maioria de néscios piadistas freqüentadores de mal-afamados salões.

Motivações

No fim, ontem não ocorreu a esperada tarde de São Bartolomeu com renúncias em massa. Só 2 desistiram.

Os 11 restantes tiveram motivos diferentes para ficar. Uns apostam no fim da crise, alguns contam com atenuantes reais, outros confiam no pagamento de favores concedidos no passado, há investimentos na sorte e casos de rendição à evidência da impossibilidade de voltar pelo voto em 2006.

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