Quatro meses foram consumidos em postergar as averiguações das violações despudoradas da ética e da moral praticadas no esquema Marcos Valério-Delúbio Soares, alimentado em licitações viciadas de estatais. O governo empenhou-se na tática protelatória. Primeiro, tentando impedir a instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), depois, nomeando parlamentares governistas para presidentes e relatores das comissões e até negaceando informações pedidas regularmente pelas CPIs a estatais. Não conseguiu, porém, calar a imprensa investigativa, que revelou o assalto petista ao Estado, aparelhado no exercício do poder.
As revelações dos crimes comprovavam a denúncia das propinas em troca de votos de parlamentares venais, que mascaravam o apoio maciço ao governo como responsabilidade elogiável à governabilidade. Assim tentavam dignificar a troca de partidos, em princípio oposicionistas, para os que formam a base parlamentar do governo, em conjunto com petistas, liberais, trabalhistas e até o PP de Maluf e Pedro Coelho, apelidado de progressista. Serviram-se os depoentes do direito, que lhes deu o Supremo Tribunal Federal, ao habeas-corpus, preservando-os de respostas que os incriminassem. O secretário-geral do PT, por isso, se recusou a declarar seu patrimônio, mas a mídia investigativa revelou a posse de um automóvel caríssimo, incompatível com sua renda de membro de um "governo que não rouba e não deixa roubar", como repetia José Dirceu, mais conhecido como Daniel por Fidel Castro. Continuaram os incriminados a recorrer ao Supremo. Ganharam uma liminar sob o argumento de que não haviam tido direito de defesa, mas fugiram das citações, prova cabal de que só visavam a protelar a conclusão das CPIs e do Conselho de Ética da Câmara, firmemente dirigido pelo deputado Ricardo Izar. Não lhes servindo o artifício, voltaram ao Supremo para que os processos fossem individualizados e novo direito de defesa lhes fosse concedido, argumentando que isso lhes fora negado na Corregedoria da Casa.
Em 1993/1994, petistas muito atuantes e implacáveis, membros de uma CPI, nos tempos em que o partido a todos nos iludia com o brasão da ética em política, sabiam que o trabalho da CPI, como é o caso de qualquer inquérito policial ou civil, é meramente preparatório do processo a ser instaurado no foro próprio. Agora reclamam direito de defesa na própria CPI, cujo papel é o de encaminhar o relatório às Casas do Congresso para julgamento, onde a todos será dado o sagrado direito de defesa. As provas colhidas indicavam que parlamentares se haviam nutrido no esquema Delúbio-Valério, crime de apropriação indevida. Por outro lado, o mensalão está cabalmente comprovado, se não como propina mensal, seguramente, episódica.
Como ensina o emérito jurista Miguel Reale, a verdade é suscetível de demonstração por meio de três teorias lógicas: a da correspondência, segundo a qual uma proposição é verdadeira "se existe algum fato ao qual corresponda"; a da coerência, quando é parte de um todo sistemático; e a pragmática, quando se revela satisfatória. Basta-me considerar a da correspondência, identificada à medida que o dinheiro de Marcos Valério foi sendo confessado por suas secretárias. Ficou claro que somas vultosas foram distribuídas em Brasília, como no Banco Rural, especialmente por uma das secretárias ouvidas, a encarregada de distribuir pacotes de dinheiro aos beneficiários. Contava tantas cédulas de R$ 50 que seus dedos ficavam doloridos. Ela confirmou que ia a Brasília, hospedava-se num hotel, cujo nome citou, e entregava os pacotes, afirmando, porém, com notório cinismo, que não sabia identificar quem os recebia. As datas, uma vez constatadas pela CPI, correspondiam à véspera ou ao dia em que projetos de lei da maior importância para o governo eram votados em plenário, inclusive o do esbulho dos aposentados, de cujos proventos foram subtraídos 11%.
O presidente da CPMI dos Correios, um petista decente, diante dos fatos apurados admitiu a existência das propinas periódicas. Que falta para confirmar a teoria da correspondência? O recibo dos corruptos? A teoria lembrada por mestre Miguel Reale, a pragmática, demonstrou a verdade "na medida em que funcionou, ou se revelou satisfatória". E como funcionou a compra dos votos!
Passado o temporal, aceita a esfarrapada desculpa de que o presidente ignorava tudo e que iria cortar na própria carne, nada ocorreu, exceto manobras dilatórias para vencer pelo tempo a imoralidade. Tática que vem dando resultado. A queda de confiança no presidente se estabilizou. De traído - como se declarou a princípio - passou a comparsa dos petistas por ele inocentados de corrupção, tudo visando à reeleição. E, para completar a manobra, a representação para o Conselho de Ética, simplista ao extremo, não se refere ao dinheiro mal havido nem às propinas periódicas, mensalão ou não. Limita-se a acusar "falta de decoro". Pobre do honrado Conselho de Ética, se até a falácia do caixa 2, para encobrir a propina periódica, não é citada!