"Minha história"
"José Dirceu não pôde lutar 'bravamente
contra a ditadura'. Ou estava em Cuba,
ou estava no Paraná, disfarçado
de cidadão pacífico"
O ex-ministro José Dirceu está sendo apresentado à opinião pública de forma enganosa. "É a minha história que querem atingir", reage o deputado quando se refere aos colegas de Câmara que querem cassar seu mandato por falta de decoro parlamentar. Que história será essa que todo mundo quer destruir? É a história mal contada de um fenômeno que não existe. Sabe-se de muitos políticos que, como Dirceu, se opuseram à ditadura militar, foram exilados e, na volta, ajudaram a construir partidos políticos. É o caso de vários tucanos. Mas história é uma coisa séria. No caso de Dirceu, mesmo inflada, sua "história" não tem força para obscurecer a acusação de que ele era o chefe da quadrilha do mensalão.
Até o relator do caso Dirceu no Conselho de Ética da Câmara, deputado Júlio Delgado, comprou a versão do mito histórico. No voto em que recomenda a cassação de Dirceu por agressão ao decoro parlamentar, Júlio Delgado afirma que "o Dirceu que lutou bravamente contra a ditadura no Brasil e construiu o maior partido de esquerda do país" trocou a ética pelo exercício do poder. Na verdade, José Dirceu não pôde lutar "bravamente contra a ditadura". Ou estava ocupado em Cuba, ou estava no Paraná, disfarçado de cidadão pacífico.
Na juventude organizou passeatas, fez discursos em faculdades, ganhou eleições estudantis, mas a "luta contra a ditadura" durou pouco e não foi profunda. Em 1968, candidato à presidência da União Nacional dos Estudantes, foi preso num congresso estudantil em Ibiúna, São Paulo. No ano seguinte, foi libertado em troca do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Fim da história. Lá se foi Dirceu aninhar-se em Cubanacán, exilado.
O deputado Júlio Delgado afirmou em seu voto da semana passada que Dirceu foi treinado pela inteligência cubana. Inteligência é o nome técnico que se dá à espionagem. Em 1975, Dirceu voltou ao Brasil depois de uma cirurgia facial e se estabeleceu numa pequena cidade do Paraná, onde viveu por quatro anos sob disfarce, fingindo ser um empresário descendente de judeus. Os cirurgiões cubanos fizeram-lhe até um nariz adunco!!! Não se tem notícia de que praticasse qualquer tipo de espionagem nessa época. Evitava até mesmo conversar sobre política. Devido à identidade pacífica que assumiu em seu disfarce, não poderia dar demonstrações de revolta com o governo militar. Por quatro anos, Dirceu ficou politicamente inativo.
Casou-se e teve um filho. Com a anistia, contou à sua mulher quem era e voltou correndo para São Paulo, depois de recuperar o rosto original numa segunda cirurgia plástica. Entrou para o PT – e o resto da história é conhecido.
José Dirceu é emocionalmente frio, tem coragem e uma determinação só igualada por sua capacidade de ignorar balizas éticas. Tritura sem vacilar companheiros de ontem que se tornaram adversários de hoje. São esmagadores os indícios de que agrediu a lei, a moral e os bons costumes políticos nas suas relações com Marcos Valério, Delúbio Soares, bancos velhacos e deputados bordeleiros. É esse José Dirceu que estará sendo julgado na Câmara por atentado ao decoro parlamentar. O outro, o Dirceu da "minha história", é uma invenção.